2009/01/14

O estado da arte e a "arte" do Estado

Neste país já nada nos consegue surpreender. Vivemos na corda bamba do território previsível, seguros de que ao caír seremos amparados pela rede da meta-crise. Esta condição retira, é certo, margem de manobra ao inesperado, cava a depressão, mas não deve diminuir a nossa capacidade de repulsa.
Vem isto a propósito da declaração do Ministro da Cultura sobre o apoio aos artistas, como resposta a uma interpelação feita no Palácio Foz por Paula Castro Guimarães ao Primeiro Ministro, durante a apresentação dos programas Inov-Art e Inov-Mundus.
A interpelação correu os orgãos de comunicação social, que a mostraram, bem como a reacção do PM, e motivou um comunicado da Miso Music Portugal que pode ser lido aqui.
Factos são factos: Portugal está no fim da escala dos parceiros europeus no que diz respeito aos indicadores que medem o desenvolvimento. Mas, no plano específico da cultura (a distinção que faço aqui entre cultura e desenvolvimento é artificial, eu sei, e só imposições de natureza retórica a justificam), esta escala não serve. Portugal é hoje um país que só encontrará adversários à altura naquelas ditaduras retrógradas, palco de constantes lutas tribais, cujo território é totalmente sulcado por esgotos humanos a céu aberto.
A cultura tóxica não é de hoje certamente, mas o actual executivo fez questão de lhe aumentar a toxicidade. Não só em razão da linha política geral seguida, sem perspectiva, sem espessura, inculta, que hoje, todos o compreendemos, não passa de um enorme logro. Mas também porque no sector específico da cultura --liderado sucessivamente por dois personagens cuja actuação sugere frequentemente estarmos em pleno reino do poltergeist-- se alcançou o nível zero. É o pior do mau! É o retorno ao período mais negro, dos dias mais negros que jamais vivemos nesta matéria!
Os tiques autoritários evidenciados nas respostas destes governantes, perante uma interpelação, totalmente pertinente, feita com toda a legitimidade e com enorme coragem (um facto digno de realce neste país de cágados...), são fáceis de explicar. Ainda estão no tempo em que quando se ouvia falar de cultura se sacava do revólver. Falta classe à classe política. Bem poderiam aproveitar o tal projecto das "Novas Oportunidades" para se reciclarem a eles próprios e subirem um pouco a altura do seu voo. Neste momento não passam de aves de voo raso.
Estas figurinhas são, contudo, as mesmas que quando partem em viagem de Estado, ou quando precisam de imagens fortes para promover o país se encavalitam nas artes e nos artistas para mostrarem ao mundo as nossas e as suas virtudes... Mas, não se pode tomar banho com perfume. Antes de o perfumar, o corpo precisa de passar por uma boa barrela, com um bom sabão e água. De outro modo o mau cheiro sente-se sempre lá ao fundo.
Os artistas, esses, continuam a sua cruzada solitária, fazendo todos os dias das tripas coração e buscando fora os apoios que a sua terra lhes sonega. A democracia ainda não mora aqui.

6 comentários:

Rui Mota disse...

Há muito tempo (diria mesmo, muitos governos) que as artes (os artistas) são uma área desprezada pelo poder em Portugal. Basta olhar para o Orçamento de Estado e ver o seu valor para percebermos o que significa a cultura para o governo. É o melhor indicador.
Nesse sentido, a interpelação da representante do Miso Ensemble é paradigmática e deve ser realçada. Que tenha sido ela a fazê-lo e não outrem é explicável pelo receio que a maioria dos artistas têm em expressar as suas opiniões. Se o fizerem, correm o risco de não receber apoio algum...
Mas, que esperar de um ministro que diz que vai "fazer mais com menos" na sua tomada de posse?
O António Ferro ainda apoiava a "política de espírito", agora estes governos (pseudo) democratas nem isso fazem...uma tristeza!

Ana Mandillo disse...

Ai, não mora, não!

Anónimo disse...

Eu lamento o comentário. Embora ache que a cultura é mal tratada no nosso país, o comentário que aqui é feito é de mau gosto, não diz nada a não ser que cheira mal. Não apresenta qualquer alternativa ou ideia o que leva a dizer que é um comentário sem conteúdo, a não ser "Dizer mal, por dizer mal".

Lamento, mas não apoio nem gosto deste tipo de comentários.

Carlos A. Augusto disse...

Caro "anónimo"
Eu não tenho que apresentar alternativas nem ideias. Você está redondamente equivocado!!
Estou a dar conta da minha opinião sobre uma matéria muito,muito concreta. E na minha opinião a reacção dos governantes e demais responsáveis à interpelação da Paula Castro Guimarães é _fascista_!
Não me cabe apresentar alternativas nem ideias, nem tenho meios para isso. Tomara eu conseguir garantir que como todos os dias...
Por outro lado, gostava de o conhecer e poder dizer-lhe isto cara a cara...

Anónimo disse...

Serão mesmo passarões rasteiros, porque voar não voam, nem baixo!
moz

Anónimo disse...

O "anónimo" que critica o post do C. A. Augusto quem será?
Algum lacaio do governo? Algum desses mastins que comem os ossos que o poder vai atirando durante o festim para debaixo da mesa?
Porque não assina?
Alguma coisa também terá a perder, como refere o Rui Mota no seu comentário. Por isso "toca e foge"...
Este post é muito bem feito e toca num problema que nos diz respeito a todos. Só os canalhas se não revêem certamente nele.
Afinal é tão fácil e tão difícil dar a cara, não é?
Mário B. Alves