Um dos assuntos dos jornais de Londres nos útimos dias anda à volta do projecto de alguns ministros do actual executivo inglês em fazer uma "revolução de cidadania". A proposta da secretária das comunidades, Ruth Kelly e do ministro da imigração, Liam Byrne mereceu o aplauso do PM indigitado Gordon Brown.
Consiste ela em, no futuro, a cidadania plena vir a depender dum somatório de créditos obtidos a partir do tempo de permanência no país, de investimentos substanciais feitos no Reino Unido, de passar em testes de inglês, de demonstrar conhecimento do Reino Unido, de participar em voluntariado civil e de viver de acordo com a lei. Um sistema de pontos para aquisição da cidadania daria créditos por estes desempenhos, aos quais seriam deduzidos pontos por comportamento anti-social.
A preocupação é, segundo o ministro, «ajudar [os imigrantes] a compreender os valores dos britânicos e o seu modo de vida»; e acrescenta: «precisamos de tornar mais claro que a cidadania não é simplesmente oferecida, mas é alguma coisa que se conquista».
Do lado dos indígenas, e para tornar o programa mais universal, também houve a preocupação de exaltar o orgulho patriótico, propondo-se a distribuição de um dossiê de cidadania a todos os nacionais que atinjam a idade de votar. Por outro lado, lançou-se a ideia de criar um dia nacional do Reino Unido; por mais estranho que pareça os britânicos não têm o equivalente ao 4th of July (dia da independência dos EUA), ou ao 14 Juillet dos franceses (tomada da Bastilha).
O problema reside na consciência que há de que a integração dos imigrantes não é feita da melhor maneira. Tal constatação tornou-se mais clara para os britânicos a partir dos atentados de 7/7; pessoas que pareciam ser cidadãos plenamente integrados revelaram-se bombistas atentando contra a vida dos seus pares.
Ora a paranóia nunca é boa conselheira. Este caso é mais um em que os políticos são tentados a resolver os problemas por decreto. Em vez de trabalhar as condições de recebimento e integração, dificulta-se o ingresso através de processos que, na tentativa de serem "objectivos", acabam por, objectivamente, dificultar a integração dos imigrantes.
Receio bem que, em vez de integrar, os bifes venham, caso esta proposta passe, a criar ainda mais hostilidade entre os imigrantes. A somar à que já existe, sobretudo após a desastrada tentativa de impor a democracia no Iraque pela força das armas.
7 comentários:
De facto, não é fácil resolver o problema das comunidades imigradas na Europa. Se é verdade que a integração de minorias é sempre difícil (falo por experiência própria) também é verdade que algumas comunidades são mais difíceis de integrar do que outras. Estão neste grupo os imigrantes muçulmanos, pelas razões que conhecemos. Uma faca de dois gumes, portanto: por um lado os governos receiam criar leis repressivas, por serem acusados de racistas; por outro, os atentados terroristas são sempre cometidos pelos mesmos...Qual seria a reacção dos lisboetas se o nosso metro fosse alvo de um atentado bombista cometido por seguidores de Allah?
É neste equilíbrio difícil, que as políticas de imigração e os modelos multiculturais experimentados na Europa (Inglaterra, Holanda, Bélgica), devem ser reinventadas. Com o risco de - a não ser feito nada - os efeitos poderem tornar-se devastadores. Uma verdadeira bomba de relógio, pois. Obrigar os imigrantes (muitos deles a viverem há anos no país de acolhimento) a aprenderem a língua, história e costumes do país acolhedor, é uma exigência mínima razoável que pode ajudar à compreensão mútua entre os diversos grupos na sociedade. Não será a solução, mas é um passo na boa direcção. Uma coisa é certa: os imigrantes vieram para ficar e serão cada vez em maior número.
Já agora trago para a discussão, a este propósito, um outro aspecto que receio que um dia possa vir a fazer enorme mossa na sociedade portuguesa.
Refiro-me à possibilidade de virmos a ser nós próprios vítimas de atentados, como os que são vítimas mais ou menos regulares os nossos vizinhos aqui ao lado.
Que resposta dariam os portugueses a uma situação dessas? Assistiríamos a uma reacção de vitimização, chorando cobardemente os estragos, sem capacidade de agir? Ou, pelo contrário, enfrentaríamos de forma determinada qualquer tentativa de estabelecimento de um clima violento?
Aqui há dias uns jovens portugueses foram objecto de severas medidas na Letónia por terem supostamente profanado símbolos do país. Independentemente das razões, do carácter das medidas e da veemência da reacção das autoridades daquels país, observei as reacções dos pais na televisão. Todos reclamaram o exagero das medidas, numa daquelas reacções típicas do tal clima de brandos costumes. "Rapaziadas", exagero na reacção, necessidade de "compreender", foram os argumentos ouvidos.
Não está aqui em causa analisar a questão substantiva que originou toda esta cena, muito menos emitir juizos morais sobre tudo isto. O que me preocupa é esta incapacidade de viver segundo regras e esta admiração por os outros o fazerem, e de forma dura.
Este assunto está mais próximo da questão que o Raul levanta aqui do que parece.
Não estou a dizer que admiro aqueles que aplicam a lei de talião e percebo que estas questões são extremamente complexas. Mas, preocupa-me esta mansidão à portuguesa e esta incapacidade para colher ou usar ensinamentos que outros já há muito conhecem e estão dispostos a aplicar sem grandes hesitações.
Completamente de acordo. Só hoje, através da imprensa, percebi bem o que se tinha passado na Letónia: no fundo, uma "brincadeira" de rapazes portugueses em férias. Infelizmente, exemplos destes abundam. Basta lembrar o péssimo hábito dos portugueses que roubam copos e outros adereços em bares estrangeiros; a selecção nacional de sub-21 que, há uns anos atrás, destruiu um balneário em França; as viajens anuais dos finalistas portugueses a Espanha, que normalmente terminam no ritual de destruição dos quartos dos hotéis onde estão alojados; ou, ainda, a recente prisão de um jovem português no Médio Oriente, por fumar marijuana em público. Todos os países têm os seus "hooligans", mas temos de concordar que roubar uma bandeira nacional, num lugar público, pode dar direito a prisão. Foi o caso. Só resta pedir desculpas e aprender com a lição. Como diz o provérbio: "em Roma, sê romano".
Claro que estou de acordo com o tom geral dos comentários. Evoco o que sobre este tema escrevi neste blog aqui há tempos a propósito de um caso real (http://faceocultaterra.blogspot.com/2006/09/guerra-de-civilizaes.html). O post refere-se à escassa "autoridade" que sobre esta matéria tem o governo de Londres, enquanto promotor de uma guerra (a do Iraque) que, necessariamente, terá de comportar consequências.
Como é evidente alguma coisa terá de ser feita no que respeita à integração dos imigrantes. Porém, antes de tomar uma medida deste tipo, quem, conscientemente, se meteu nessa guerra terá de fazer uma autocrítica, assim dando sinal de que está disposto a uma efectiva mudança de atitude. Porque a medida tem carácter limitativo, o qual tenderá a ser encarado pelos visados como mais uma contra eles, isto é, no mesmo sentido das anteriores. Sem que tal aconteça não me parece que a medida possa dar bons resultados.
Eu gosto dos brandos costumes do português.
Caramba, até parece que não estiveram vocês na revolução dos cravos. Onde já se viu uma revolução onde não morre ninguém, senão em Portugal. Acredito que com os brandos costumes continuamos a ser aqueles que integram, os que inventaram o mulato depois de Deus ter inventado o branco e o negro
Eu também gosto desta coisa dos "brandos costumes". Tem aspectos positivos e até virtuosos! E em certa medida até me orgulho da natureza branda dos portugueses.
O que eu temo é que 1) sejamos alvo dos costumes menos brandos dos outros e tenhamos dificuldade em lidar com isso, e 2) estes "brandos costumes" facilitem ainda mais o, já de si, intolerável "deixandarismo" lusitano...
A propósito desta questão, soube-se hoje que familiares da criança inglesa que terá sido raptada no Algarve se afirmaram magoados depois de terem sido impedidos de colocar cartazes no aeroporto de Lisboa por não terem autorização. Estes familiares disseram que "achavam" que num caso destes a autorização não seria necessária...
Fico contente por esta malta se ter rendido aos brandos costumes tão rapidamente. Imagino o que seria um grupo de brandos portugueses tentar colocar cartazes sem autorização em Heathrow ou Gatwick. Até estou a imaginar os polícias ingleses a ajudarem com baldes de cola...
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