2016/10/21

Outono em Amsterdão (3)


No início dos anos quarenta, viviam na Holanda cerca de 140.000 judeus. 
Durante a ocupação alemã, foram presos e transportados para os campos de concentração, mais de 120.000 judeus. Destes, 104.000 morreram.
Em Amsterdão, a comunidade judaica habitava um quarteirão no centro, cujo perímetro era limitado a Oeste pelo rio Amstel (que atravessa diagonalmente a cidade) e a Nordeste pelo Jardim Zoológico (vulgo Artis), um frondoso parque onde podem ser vistos animais e plantas exóticas.
Após a guerra, o "quarteirão judeu" foi parcialmente destruído e as velhas casas substituídas por novos edifícios, onde funcionam os serviços administrativos da câmara municipal, a ópera, museus, e diversos hotéis e restaurantes.
No espaço, anteriormente ocupado pelo bairro, foram entretanto surgindo museus e memoriais ligados à história da comunidade judaica na cidade e na diáspora. Este quarteirão cultural judeu, inclui, para além da "Sinagoga Portuguesa" (construída em 1675), o "Museu da História Judaica", o "Memorial Nacional do Holocausto" e o "Museu Nacional do Holocausto", que podem ser visitados comprando um bilhete único pelo módico preço de 15euros.
Dispensámos a Sinagoga, que já conhecíamos de anteriores visitas, e iniciámos a visita pelo "Museu da História Judaica", a peça de resistência deste périplo, onde pode ser vista a exposição "The Power of Pictures - Fotografias e Filmes da antiga União-Soviética". Fotografias, filmes e "affiches" das décadas vinte e trinta do século passado, quando o movimento avantgardista russo atingia o seu auge. Admiráveis trabalhos fotográficos de Rodchenko, Schaikhet, Shudakov, Petrusov, Zelma, Penson, Nappelbaum, Ignatovich e filmes clássicos de Eisenstein, Barnet, Kuleshov, Pudovkin, Turin, Kalatozov, Vertov (que podem ser visionados em projecções diárias), para além da excelente colecção de "affiches" revolucionários que, um século mais tarde, permanecem verdadeiros ícons da arte.
Seguimos para o "Memorial do Holocausto", situado no Hollandsche Schouwburg, a antiga sala de espectáculos da cidade, construída em 1892. Entre Julho de 1942 e Novembro de 1943,  o Schouwburg foi utilizado como lugar de deportação. Os judeus de Amsterdão e arredores, tinham de apresentar-se no teatro, para serem deportados, ou eram levados à força. Ali aguardavam dias, às vezes semanas, pelo transporte para os campos de Westerbok e de Vught, perto da fronteira alemã. Daí, eram metidos em combóios que os transportavam para os campos de extermínio. Depois da guerra, o edifício deixou de ser utilizado e acabaria por ser parcialmente demolido. Já em 1962, a Câmara de Amsterdão decidiu erigir um monumento em honra das vítimas, situado num pátio interior do edifício. Recentemente, outro presidente da câmara, o judeu Ed van Thijn (ele mesmo uma vítima da guerra) inaugurou um novo memorial, constituido por placas de vidro nas paredes, onde podem ser lidos os nomes das 6700 famílias dos 104.000 judeus mortos.
Em frente ao teatro, do outro lado da rua, está situado o "Museu do Holocausto", no lugar onde existia uma creche e eram recolhidos os filhos das famílias deportadas. Muitas dessas crianças acabariam por ser levadas clandestinamente, por membros da resistência holandesa, que os entregavam a famílias adoptivas no Sul da Holanda, onde ficaram até ao fim da guerra.
O Museu, inaugurado em Maio este ano, dispõe apenas de três salas. Na primeira, pudemos assistir a um filme sobre o pintor (e actor) Jeroen Krabbé, cujo avô foi levado e morto em Sobibor. No documentário (50') Krabbé explica os motivos e o processo de trabalho seguidos, que o levaram a mergulhar na história da família e na tragédia do seu avó Abraham. Depois, passámos à sala da exposição propriamente dita, sobre a vida, a prisão, o transporte e a morte de Abraham, intitulada "O declínio de Abraham Reiss". Nove "tableaus" de 3x2metros de altura, belos e horríveis na sua crueldade, onde a técnica mista de óleo, desenho e colagem, serve o propósito dramático do autor.
A última sala, seria a mais surpreendente. Num espaço vazio, onde estão instaladas duas mesas com terminais de computadores, os visitantes podem inserir dados sobre familiares mortos ou desaparecidos na Holanda. Os dados são imediatamente projectados numa das paredes da sala, transformada num écran gigante de computador, que envia a informação para todo o Mundo em simultâneo. Assim se preserva a memória.           

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