2016/10/19

Outono em Amsterdão

Sair de Lisboa e chegar a Amsterdão com 24 graus de temperatura positiva é coisa que, raramente, nos lembramos de ter experimentado. E, no entanto, foi isso que aconteceu há umas semanas atrás, aquando da nossa última visita àquela cidade holandesa, onde se fazia sentir um Outono, digno do melhor "indian summer". Doze dias de Verão meridional, a lembrar que o "aquecimento global" não é uma palavra vã. Mais uns anitos e teremos vinhas plantadas nas margens do Amstel...
Para quem se queixa da gentrificação em Lisboa, a capital holandesa oferece um bom exemplo do que nos está reservado. Não que o fenómeno seja novo (afinal, a cidade sempre foi uma das mais visitadas da Europa), mas a dimensão do "estrago" começa a ser de tal ordem que, passear e viver no centro daquela que foi uma das mais pacatas urbes europeias, é o mesmo que desembarcar numa grande Disneyland enxameada de turistas, lojas de conveniência e "fastfood" em todas as ruas. Algo que um famoso escritor holandês, do século passado, apelidou de "patat cultuur" (a cultura da "batata frita"), ao escrever sobre as transformações sofridas num dos bairros mais sofisticados da cidade. Dirão que não há nada a fazer e o turismo é predador. É verdade. O turismo de massas descaracteriza as cidades, principalmente quando os habitantes locais são literalmente "expulsos" das habitações - onde sempre viveram e pagavam rendas razoáveis - para darem lugar a novos moradores (com poder de compra) e a novos prédios, transformados em AirB&bs, uma tendência das grandes urbes na era dos voos "low-cost". Foi assim em Veneza, como em Barcelona ou Berlim, cuja municipalidade se viu obrigada a impôr restrições à proliferação de hóteis baratos, única forma de preservar prédios para habitação social. Amsterdão não é excepção (recebe 15 milhões de turistas ao ano!) e muitas das habitações sociais, quando vagam, deixam de pertencer ao sector de arrendamento e passam a ser vendidas no mercado livre. Manter uma casa no centro histórico é um privilégio, só ao alcance daqueles que lá moram há gerações ou novos proprietários endinheirados. Pelo meio, as lojas de conveniência, restaurantes "fastfood" e "hostels", continuam a proliferar. 
Porque a cidade é relativamente pequena (700.000 habitantes) fácil é percorrê-la nos eléctricos e autocarros, que nos levam a qualquer bairro periférico. Foi o que fizemos, logo na primeira noite. Alertados pela programação do Teatro Munganga, uma companhia brasileira local a comemorar o seu 20º aniversário, lá fomos ouvir o grande Rogério (Bicudo de seu apelido), um tocador de violão de 5 quilates, velho amigo das músicas e não só. O concerto, intitulado "As Américas", foi uma excelente forma de conhecer e rever autores tão díspares como John Coltrane, Wayne Shorter (USA), Eric Calmes (Curaçao), Leo Brouwer (Cuba), Agustin Barrios (Paraguay), Villa-Lobos, Garoto, Nelso Cavaquinho ou Baden Powell (Brasil). Uma "performance" inesquecível, de um virtuoso guitarrista que, às vezes, passa por Lisboa. No final, tempo para uma "caipirinha" e troca de impressões sobre a actual situação brasileira, que a comunidade "brasuca" vê com apreensão. Há por aqui mais apoiantes do "Fora Temer", do que eu suspeitava. A estadia não podia ter começado melhor...    

foto Editie NL / Agnes de Goede

 

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