Boa tarde, para onde vamos?
- Para perto, hoje é para Benfica.
Já estou aqui na praça, há mais de uma hora. Estava a ver que não aparecia ninguém...
- Esta praça não é muito frequentada. À noite, então, é impossível apanhar táxis.
Pois não, os meus colegas têm medo de estacionar aqui. Mas eu vivo no bairro e conheço bem a zona. Já ando nisto há 54 anos...
- 54 anos? Isso é muito tempo. Já podia reformar-se, ou não?
Poder, podia, mas vivia de quê? Tenho 80 anos e uma reforma pequena. Há dias, que nem 10 euros faço. E a família, comia o quê? A minha reforma é miserável e tenho de trabalhar para levar algum para casa. Na noite passada, deitei-me às 6h da manhã e já estou aqui outra vez...
- Porque é que trabalha de noite? De dia, não é melhor?
Sim, mas de noite ganha-se mais, porque as tarifas são mais altas. Como eu ganho à percentagem, quanto mais serviços fizer, mais ganho. Olhe, o mês passado até tive de empenhar a alianças (mostra-me a mão, sem anéis...).
- E não tem outro ordenado?
A reforma de taxista, à volta de 500 euros, e uma reforma de combatente. São 120 euros por ano.
- Por ano? Mas isso não dá para nada. Onde é que combateu? Nas colónias em África?
Sim, era comando. Fui comando durante 4 anos. Estive em Angola e em Moçambique.
- Imagino. Quatro anos de guerra é muito tempo. Um horror.
A quem o diz. Um dos meus melhores amigos, aqui da Amadora, foi meu camarada nos comandos e morreu-me nas mãos. Estava a carregar um lançador de granadas, lançou a granada sem cavilha para dentro do tubo e aquilo rebentou-lhe na cara! Uma desgraça. Ficou todo queimado. Limpei-lhe as feridas como pude, mas não consegui salva-lo. Quando morreu, era deste tamanho (faz um gesto curto com as mãos). Embrulhei o cadáver numa manta, meti-o numa caixa de madeira e despachei-o para a metrópole.
- As guerras são sempre uma desgraça. Para além dos traumas que deixam...
O meu amigo, já estava meio apanhado. Saía de noite do acampamento e ia para o meio do mato apregoar jornais: "Olha o Diário Popular! Olha o Notícias!", aos gritos... Tínhamos de ir buscá-lo, pois ainda apanhava um tiro. Conheço mais como ele...
- Sim, há muitas histórias dessas. Eu tive três primos que passaram por África e nenhum deles falava sobre a guerra onde estiveram. Nunca me contaram nada.
Pois, não. Isso, não me espanta. A guerra atinge a todos.
- Bom, parece que estamos a chegar. Pode ficar por aqui. Quanto é que lhe devo?
São €7,80. Se tiver trocado, melhor. Hoje, ainda não fiz serviços. O senhor é o primeiro...
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