Após meses de declarações evasivas, o governo português reconheceu, finalmente, o estado da Palestina.
A declaração formal, anunciada em nome do governo português, pela voz do ministro dos Negócios Estrangeiros (Paulo Rangel), foi feita a partir da sede das Nações Unidas onde, esta semana, se encontra a delegação portuguesa a participar na Assembleia Geral da ONU, que comemora 80 anos de existência.
Uma declaração histórica, por parte do governo, já que a maioria dos países que fazem parte das Nações Unidas, depois do fracasso dos Acordos de Oslo (1993), há muito tinham optado pelo reconhecimento formal do estado palestiniano. Dos 193 membros da ONU, cerca de 80% reconheceram, entretanto, o estado da Palestina, no seguimento da declaração da "Sociedade das Nações" de 1947, que aprovou a constituição de dois estados - Israel e Palestina - na região, ocupada por Israel, desde 1948.
Nada que não se esperasse, ainda que o "ar do tempo" tivesse apressado a decisão, depois da carnificina em curso na região e a pressão internacional por parte de países como a França e a Arábia Saudita, ou, posteriormente, o Reino Unido, Canadá e Austrália, que arrastariam consigo países menos influentes na cena política internacional, como é o caso de Portugal. Ou seja, depois de tanto "esperar", o governo português, para não "ficar mal na fotografia", lá avançou, não sem antes pôr condições a esse reconhecimento, não fosse o governo israelita criticar-nos por tal decisão (o que, de resto, veio a acontecer).
Clarificando: nenhum governo português, o actual e os anteriores, reconheceu em tempo algum o Hamas, como representante oficial do povo palestiniano que, de resto, está dividido sobre esta questão, como atesta a existência (na Cisjordânia) da Autoridade Palestiniana. Mais, o Hamas, aquando da sua criação (1987) teve o apoio de Israel, que apostou no movimento sunita para dividir a resistência palestiniana, encabeçada pelo Fatah, o grupo mais forte dentro da OLP (Organização da Libertação da Palestina). Que o Hamas, viesse a ganhar as eleições em Gaza (2007) e tivesse expulso a facção da Autoridade Palestiniana daquele território, foi algo que o governo israelita não teria previsto: a criação do seu próprio Frankenstein. A criatura revoltou-se contra o criador. Desde então, a história é conhecida.
A escalada provocada pelos acontecimentos de 7 de Outubro de 2023, veio repor a questão Palestiniana e o reconhecimento dos dois estados, na agenda. Os acontecimentos daquele dia, que alguém já classificou como o "11 de Setembro israelita", deu origem à mais violenta operação militar israelita em décadas, com o objectivo de libertar 250 reféns capturados em 7 de Outubro e eliminar militarmente o Hamas. Dois anos mais tarde, apesar da desproporção e sofisticação de meios militares, nenhum dos dois objectivos foi atingido: restam cerca de 50 reféns por libertar e os combatentes do Hamas, agora reduzidos a alguns milhares, não foram derrotados.
Porque a carnificina em curso, ultrapassou um número de vítimas inimaginável (impossível de quantificar por falta de testemunhas credíveis) restam as estatísticas possíveis: mais de 60.000 mortos civis, dos quais 20.000 crianças, não contando os jornalistas e representantes de ONGs diversas, mortos indiscriminadamente, para além da destruição material que arrasou mais de 80% do edificado em Gaza.
Ainda que a definição possa ser discutível, o testemunho ocular de observadores, jornalistas e funcionários no terreno, não enganam: estamos perante a maior catástrofe humanitária, provocada por uma guerra, desde 1945. Pior, esta catástrofe é provocada por representantes do povo que foi, ele mesmo, perseguido e aniquilado de forma bárbara e sistemática, durante o holocausto, utilizando os mesmos métodos e crueldade dos nazis. O Mundo está a assistir ao genocídio de um povo e pouco tem feito para o impedir ainda que nos últimos meses a indignação das populações (que não a dos governantes) tenha aumentado.
Sim, é um genocídio, perpetrado pelo governo sionista de Israel, com a cumplicidade dos Estados Unidos, que veta sistematicamente as decisões no Conselho de Segurança da ONU, onde a maioria da Assembleia Geral há muito condenou a política israelita. A prova, é a crescente solidariedade e apoio com a causa palestina, expressa nas declarações esta semana feitas em Nova Iorque. As declarações de Portugal, do Reino Unido, da Austrália e do Canadá, foram ontem. Durante a semana, outras se seguirão. Haverá um dia, em que Israel (hoje, um estado pária, condenado pela comunidade internacional), será obrigado a reconhecer o óbvio: a existência de um estado palestiniano. Foram necessários 77 anos para chegarmos aqui, mas já estivemos mais longe. Antes um tardio reconhecimento, do que nenhum reconhecimento.
Algo é algo.
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