2008/12/03

O que estará a acontecer na polícia portuguesa?

Desde há algum tempo a esta parte temos vindo a ouvir comentários sobre o aumento de suicídios nas forças policiais. Sei que já por diversas vezes o tema foi tratado, designadamente na TSF que entrevistou psicólogos que trabalham para os sindicatos e para as próprias instituições do sector. O panorama que nos é traçado por esses técnicos é arrepiante. A fazer fé no que dizem, parece que há uma situação de calamidade na polícia, e que a sociedade no seu conjunto ignora o que se está a passar. 
Mas, há também qualquer coisa de estranho nisto tudo. 

Pelo que se percebe, a questão central residirá na falta de condições mínimas de sobrevivência e de trabalho dos profissionais de polícia.  Baixos salários, horários exigentes, falta de meios e afastamento da família serão os factores que conduziram ao actual estado de coisas. Este conjunto de factores leva os polícias a enveredar, nos casos mais extremos, pela via do suicídio, mas normalmente será suficientemente expressivo para que se verifique um aumento significativo das consultas de apoio --fala-se de centenas de consultas!-- que revelam problemas graves de saúde resultantes das carências alimentares, depressões e até casos de alcoolismo.
 
Não se percebe se a possibilidade de ocorrência destes factores terá sido deliberadamente ocultada antes dos polícias escolheram a sua futura profissão, ou se se revelaram apenas depois de entrarem em funções. Não se percebe também se, no caso de serem do conhecimento prévio dos aspirantes a polícia, houve alguma condição do seu contrato ou do seu compromisso de trabalho que lhes tenha sido ocultada e posteriormente imposta.
Em todo o caso, o panorama, repito, que nos é descrito é de verdadeira catastrófe!
Tendo em conta a importância que uma força policial competente e dotada de condições de actuação tem, parece estranho que tudo isto se esteja a passar hoje em Portugal, sem que a generalidade da população disso se aperceba e sem que os responsáveis tomem medidas, ou falem sequer do assunto. É estranho que a AR não tenha nunca discutido o tema. É estranho que não tenham sido solicitadas pelos deputados explicações ao Ministro da Administração Interna. Os factos descritos nas entrevistas mencionadas não foram desmentidos. Há até um livro publicado sobre este tema que teve no seu lançamento a presença de figuras responsáveis. 
Por outro lado, é estranho que se imponha a uma classe profissional um esquema quase esclavagista de trabalho... mas pode acontecer. Em Portugal o impensável acontece. Lembro-me de há uns tempos ter visto uma reportagem sobre um professor (que dia para recordar isto, hein...?) que vivia no carro porque estava deslocado e não tinha dinheiro para pagar um quarto. Um professor a quem a hierarquia respectiva e os encarregados de educação pediriam por certo, legitimamente, uma actuação do mais alto gabarito. Um caso, certamente, não único. 
Se o panorama da polícia é este, as cerca de 23.000 (vinte e três mil!!) famílias cujas casas foram assaltadas neste último ano (só para mencionar este tipo de criminalidade, objecto recente de uma outra reportagem de um canal de televisão) não poderão certamente esperar uma prevenção adequada e uma actuação empenhada e qualificada por parte da polícia, ocupada que está agora com os seus próprios problemas de saúde mental. O que torna tudo isto ainda mais insustentável. É que os psicólogos falam também de efeitos devastadores nas vítimas deste tipo de assaltos...
Polícia deprimida, vítimas de crimes deprimidas... O que se passa? 
Quer-me parecer que todo este assunto merece atenção ao mais alto nível e explicações urgentes...

3 comentários:

Rui Mota disse...

Que Portugal é um país deprimido, já se sabia. Os polícias não serão excepção. O Rui Tavares escreve hoje um excelente texto no "Público" sobre a tristeza portuguesa. Não podia estar mais de acordo com o que ele escreveu.

Carlos A. Augusto disse...

Li o excelente artigo também e não podia estar mais de acordo.
O problema aqui é outro. Tanto polícia deprimido já me parece uma coisa a merecer outra análise...
Afinal andamos a pagar para quê? Os banqueiros fazem asneiras, a gente paga. Os polícias andam deprimidos, a gente aguenta com os ladrões...
Será que teremos de meter o dinheiro no colchão para os bancos e os ladrões não nos gamarem e depois constituir um corpo de vigilantes para guardar os colchões, porque a polícia está de baixa?
Mas, o que é isto?!

Rui Mota disse...

O colchão já tenho. O pior é o recheio...