2009/03/29

Cozido só com enchidos

João Palma, o novo presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, afirmou-o claramente: "as pressões sobre os magistrados estão a atingir níveis incomportáveis." Por seu turno, o presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses, juiz desembargador António Martins assegura que “há sempre uma apetência do poder político em criar tensões para uma menor independência do poder judicial."
Já não estamos no domínio do tu-sabes-que-eu-sei-que-tu-sabes-que-eu-sei. Neste momento a coisa é oficial: o poder político interfere no poder judicial e há agentes directamente envolvidos no processo dispostos a denunciá-lo.
Ficamos pois numa dolorosa expectativa. Agora que oficialmente se sabe que existe esta tentativa, frustrada ou não, de maniatar o poder judicial, o que vai ser feito pelos diversos intervenientes para subverter esta situação? Será que o denunciado vai reagir? E o denunciante vai-se ficar pela denúncia vaga? E o que podemos fazer, nós todos que assistimos, incrédulos e com um crescente sentimento de impotência e de revolta a todo este espetáculo?
Infelizmente, o problema da aplicação da justiça é apenas uma das facetas da nossa crise. O grande problema é mesmo o da injustiça que reina na sociedade portuguesa!
A justiça à portuguesa, ao contrário do cozido, não é com todos. Tem só enchidos. A ideia que se tem é a de que o Estado Português, enquanto zelador e instigador de justiça e de equilíbrio entre os interesses de todos os cidadãos tem uma prática hipócrita, e fomenta e aprofunda, ele próprio, as desiguladades.
Leis injustas e injustamente implementadas, iniquidades gritantes, o mau funcionamento, a inacção e o desleixo da trituradora máquina administrativa, a prepotência, a corrupção, restrições inaceitáveis e parcialidade no acesso aos recursos comuns, e até, sabemo-lo agora oficialmente, as tentativas de instrumentalização do poder judicial e de atropelo das suas prerrogativas, fazem da questão da justiça latu sensu a causa principal do nosso subdesenvolvimento.
O nome da crise em Portugal é este: justiça! Não é um problema ao mesmo nível de qualquer dos outros que geralmente são apontados como causadores do nosso estado de atraso crónico. É mais abrangente. É a própria matriz geradora de todas as outras crises, seja a do ensino, da segurança social ou financeira.
Alguém dizia que as religiões se baseiam sobretudo no princípio da supressão do prazer. Este Estado Português, incapaz de garantir a justiça, embora seja fundado nos princípios do laicismo, transformou-se numa religião cujos bonzos nos conseguiram conduzir a uma inexorável perda de prazer de ser português.

4 comentários:

Rui Mota disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rui Mota disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rui Mota disse...

As declarações dos representantes dos sindicatos dos magistrados e dos juízes, são demasiado graves para não serem levadas a sério. Resta saber se haverá consequências práticas.
A questão da justiça em Portugal é uma questão da corrupção.
Em Itália passou-se o mesmo e os juízes, através da operação "mãos limpas", conseguiram denunciar as ligações da Democracia Cristã à Máfia, mas os efeitos foram temporários. Hoje, Berlusconi, tem tanto ou mais poder do que a DC à época e influencia as decisões judiciais como sabemos. Pior, apesar desta promiscuidade, já foi eleito por três vezes!...
A questão da religião não pode ser menosprezada. Está provado - existem índices fiáveis - que a corrupção nos países do Sul da Europa (maioritariamente católicas) é maior do que nas sociedades do Norte (maioritariamente protestantes). Uma questão de ética, que "limita" o prazer, impondo o dever, sem o qual não há direitos.
Finalmente, no caso português, trata-se de uma democracia relativamente recente (35 anos) onde existem "bolsas" de subdesenvolvimento graves: pobreza estrutural alarmante (o que facilita a corrupção) e níveis de iliteracia altíssimos (um em cada dois portugueses não compreende o que lê) o que facilita a manipulação.
Neste contexto é muito difícil o nosso "cozido" ter melhores ingredientes do que seria desejável. O que não quer dizer que não possa e deva acontecer. Para já, há que eleger melhores cozinheiros. Em Setembro, por exemplo...

moz disse...

Agora que por todo o lado as "progressões na carreira" estão sujeitas a quotas, todos estarão "pressionados" de uma maneira ou de outra. As pseudo denúncias seguem a forma futebolística do costume: "eles sabem de quem estou a falar..." E tudo ficará por aqui.