2010/08/05

Chapéus e cartéis

O presidente do México Felipe Calderón declarou ontem numa conferência sobre crime no México que os gangues da droga se afastaram do seu modo de operação habitual, que consiste na produção e distribuição da droga, para se transformarem num governo de facto nas áreas que controlam. Felipe Calderón diz que só ao governo cabe a cobrança de impostos, mas estes gangues ao extorquirem dinheiro tanto a comerciantes com actividade legítima, como ilegítima --uma espécie de impostos-- estão a desafiar o governo, e até a tentar substituí-lo. Os cartéis da droga, refere Calderón, pretendem criar um monopólio e mesmo as suas próprias leis pela força das armas. Deixá-los entregues às suas actividades, sem reacção, afirma o presidente do México, "é simplesmente inaceitável."
É o que pode acontecer aos estados quando o voto que legitima os seus dirigentes se demite de controlar os abusos.
A linha que divide os cartéis da droga de um governo legítimo pode ser de facto ténue. Há uma diferença real entre a cobrança legítima e a extorsão de impostos, mas ela nem sempre é clara... De resto, cobrar impostos, criar monopólios e leis, pela força das armas se for necessário, não é exclusivo dos cartéis da droga. Há outros métodos para nos extorquir os impostos e cercear  a nossa liberdade, e há outros cartéis que não precisam sequer de armas. Basta-lhes palavreado embalador.
A linha que divide o exercício legítimo e ilegítimo do poder é ténue, por vezes mesmo invisível, e vai-se curvando às circunstâncias.
Cartéis, tal como os chapéus, há muitos...

1 comentário:

Rui Mota disse...

O aumento do banditismo é proporcionalmente inverso ao aumento da autoridade: menos autoridade (estado) = mais criminalidade (cartéis). O México vive uma situação comparável à da Sicília do século passado. Um estado (máfia) dentro do estado. O crime organizado é isso mesmo, a cumplicidade do estado, ele mesmo infiltrado pelo banditismo. Por causa dos impostos, os holandeses legalizaram as drogas leves (se os intermediários podem ganhar com as drogas, então vamos ser nós a cobrar esses impostos, devem ter pensado os governantes holandeses...). Bem dito, bem feito. O governo mexicano já veio admitir esta hipótese. Pois, pois...