2011/06/22

O medo de falhar

Ouvimos este apelo insistente e patético em todos os discursos da tomada de posse do governo: "Portugal não pode falhar". O glamour destas cerimónias cai: estes gajos estão à rasca.
Mas, que raio de "Portugal" é este? Quem é que não pode falhar?
De quem estão a falar quando falam em "falhar"? Quererão dizer que reconhecem que as vítimas das falhas anteriores sabem hoje claramente quem foram os seus agentes? Quererão os autores da expressão dizer que reconhecem que se falharem irão ser irremediavelmente apeados?
Quem é que pode ter a última chance? É este regime que está em causa. É este regime que tem a última chance.
"Portugal não pode falhar" poderia parecer uma expressão saudavelmente mobilizadora. Eu leio-a antes como um recado para dentro do regime, como um sério aviso dos agentes em risco aos seus pares. No precaver é que está o ganho. O medo de falhar significa a certeza de que o regime está, mais do que nunca, consciente das suas malfeitorias.
"Ninguém está imune à crise," disse, dramático, Cavaco (nesta altura eu ouvi os contrabaixos, graves, e três golpes fulminantes de tímpanos...), sublinhando o ninguém, qual Frei Luís de Sousa. Resta saber quem é quem neste ninguém, e com que graus de imunidade se faz este dégradé...
Não, Portugal não vai seguramente "falhar". Quem pode falhar, quem pode estar com medo de falhar, são aqueles que falharam até agora, aqueles que dominaram, continuam a dominar o regime e que dele abusam. Hoje sabe-se quem falhou e é claro para todos que, a continuarem a ocorrer "falhas", desta vez, não haverá brandura para com este regime e os seus beneficiários. Sabemos quem é que tem a última chance.
Tem o primeiro ministro toda a razão: Portugal não falhará.

4 comentários:

Rui Mota disse...

Portugal está há muito falido e, nesse sentido, falhou. É difícil fazer pior. Teoricamente, só poderá melhorar. O problema é que a receita (da Troika) que o governo vai aplicar, não contribuirá para a melhorar as contas públicas, apenas as contas dos privados (credores e bancos). Nesse sentido, a expressão "Portugal não pode falhar" encerra em si o desejo de defender o "sistema". Não podemos (falhar) deixar de pagar aos credores. Esses é que têm de ser salvos. O povo que se lixe!

Rini Luyks disse...

Se me lembro bem: em 1987 (o meu primeiro ano em Portugal) o lema de Cavaco era: "Portugal não pode parar!"

Carlos A. Augusto disse...

Sim, esta conversa já vem de longe. E, se quisermos, até podemos ir mais atrás ainda. Mas, não há margem para mais variações sobre o tema.

Carlos A. Augusto disse...

Há um outro slogan que emerge, relacionado com este do "Portugal não pode falhar".
Dizem que "todos temos de trabalhar mais e melhor". O que é que isto quer dizer exactamente? Quem decide o "mais"? Quem julga o "melhor"? Quem julga o julgador?
E a pergunta que se impõe: para quê?