Joaquim Ferreira do Amaral foi, como é sabido, o ministro responsável pelas Obras Públicas, Transportes e Comunicações, durante o consulado (dir-se-ia, para muitos, o consolado...) de Cavaco Silva. Foi ele que começou este processo de transformar Portugal num arquipélago banhado por um mar de auto-estradas, e foi ele que lançou também o projecto da ponte Vasco da Gama. Actualmente, o engenheiro Amaral é presidente do conselho de administração da Lusoponte, empresa do grupo Mota-Engil, que gere, entre outras, a dita ponte Vasco da Gama.
A Mota-Engil é um dos grupos formal e explicitamente acusados pelo vice-presidente da Integridade e Transparência, Associação Cívica, Paulo Morais, de corrupção, o factor determinante que está, segundo ele, na origem da presente crise que o País vive.
Paulo Morais acusou o grupo Mello e o grupo Espírito Santo, para além desta Mota-Engil, de se locupletar, por via ilegítima, com "seis a sete por cento dos recursos do Orçamento de Estado," acusação nunca refutada por qualquer destes grupos.
Ora, o engenheiro Ferreira do Amaral, presidente do conselho de administração da Lusoponte, uma empresa que explora uma obra lançada por ele durante o período em que foi responsável pela pasta das obras públicas, de acordo com um modelo contratual que foi aprovado por ele, vem agora explicar-nos os subtis contornos do contrato que existe entre a Lusoponte e o Estado Português e ameaçar que "o Estado vai ter de ter muita imaginação (sic!) para encontrar forma de dar a volta à questão [da renegocição das PPP]."
Valeu a pena ouvir e ver toda a entrevista porque, finalmente, fiquei a perceber o significado da frase L'État c'est moi quando ouvi Ferreira do Amaral dizer nesta entrevista que "É bom para o Estado fazer isto."
É bom, quer ele dizer, que um ministro da República se lembre, de repente, que uma ponte era mesmo, mesmo, mesmo necessária, embora confesse que o Estado não tinha dinheiro para a fazer. É bom, quer ele dizer, que, mesmo não tendo dinheiro, ele tivesse mandado avançar a obra, aceitando que o Estado pode viver acima das suas possibilidades. É bom, quer ele dizer, que por meio de um contrato congeminado de forma ardilosa o Estado, embora não tivesse o cacau, tivesse ficado agarrado durante anos e anos, por uma coisa que ele decidiu que era mesmo, mesmo, mesmo, necessária. É bom, quer ele dizer, que ele tenha vindo a assumir a direcção da empresa que explora justamente a obra que ele achou que era mesmo, mesmo, mesmo necessária. E é bom, quer ele dizer, que agora, enquanto gestor da empresa que explora a ponte que ele decidiu que era mesmo, mesmo mesmo importante, ele possa vir agora ameaçar o Estado se alguma vez lhe passar pela cabeça parar com a extorsão.
E, dito isto assim, de forma cândida, com o coração nas mãos, com um ar presque mignon, eu, que nesta altura da vida me comovo com enorme facilidade, não evitei derramar uma pequena lágrima e emitir um quase imperceptível soluço...
2 comentários:
A história (a estória?) do tráfico de influências na sociedade portuguesa é conhecida (é ler a literatura saída ultimamente sobre o assunto) sendo que, depois da 1986, com a adesão à, então, CEE, a situação atingiu proporções inimagináveis. Todos os partidos do poder mamaram na teta e não há inocentes nesta história (estória?) mafiosa. Não tenhamos ilusões, chamem-se eles Ferreira do Amaral, ou Jorge Coelho, Motas ou Engis , o clientelismo é transversal a todas as forças políticas que têm ido ao "pote". É, de resto, por essa razão, que eles querem estar no poder. Para irem ao pote. Como dizia o outro, "it's a way of life".
É caso para dizer: o pote que os pariu...
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