2013/06/10

Em cima de um tapete, a correr 1500 metros...


Na passagem de mais um “10 de Junho”, a televisão oferece-nos a reportagem do costume. Desta vez a partir da cidade de Elvas, um cenário ideal agora que a UNESCO reconheceu as suas fortificações como parte integrante do património construído da humanidade.
Infelizmente, as melhores fortalezas não chegam para esconder a miséria social existente dentro dos seus muros, como outras reportagens da mesma televisão nos têm lembrado periodicamente. Em apenas dois anos, a autarquia viu-se obrigada a duplicar o número de refeições oferecidas às escolas da cidade, única forma de alimentar, já não só todas as crianças malnutridas, como as suas próprias famílias, muitas delas sem emprego e apoios sociais, numa das regiões mais desertificadas e pobres do pais. Ou seja, parte significativa da população de Elvas é hoje obrigada a recorrer à assistência social, prestada pela Câmara, para poder sobreviver. Uma realidade que foi lembrada no discurso do presidente da autarquia, Roldão de Almeida, ainda na cerimónia que antecedeu o dia de hoje.
E que disse o Presidente da República de significante neste seu discurso de “10 de Junho”? O mesmo de sempre, mas para pior. Falou da pátria (que tem as costas largas), dos sacrifícios das forças militares (que compreendem o momento que a nação atravessa), da dependência do estrangeiro (não é a primeira vez) e do regresso à agricultura (como panaceia para todos os males).
Não fora a mudança de cidade e personagens nestas cerimónias, que pouca alteração conheceram nos rituais desde os “dias da Raça” salazarentos, e julgávamos não ter mudado de regime. O cenário muda todos os anos, é verdade, mas os discursos continuam bafientos e grande parte dos agraciados com medalhas não se recomendam, como de resto não eram recomendáveis os condecorados do tempo da ditadura.
Cá fora, o ambiente não foi melhor e, se alguma novidade houve, essa foi a contestação de uma parte dos populares que assistiam à chegada dos governantes. Também aí, nada de especial a assinalar, tal o número de protestos com que os representantes do governo são amiúde recebidos fora de Lisboa.
Uma tristeza, este “Dia da nacionalidade, de Camões e das Comunidades”, onde tudo é ensaiado previamente, segundo um guião que nunca conseguiu mobilizar verdadeiramente o povo português.
Num ciclo marcado pela maior crise dos últimos 40 anos, não ouvimos quaisquer referências de Cavaco ao desemprego, à emigração forçada de milhares de jovens, à diminuição de salários e pensões, ou à miséria gritante de milhões de portugueses, nomeadamente no Alentejo, onde se encontrava.
Em vez disso, ouvimos um apelo patético para o regresso à agricultura e a apologia do desporto, dando como exemplo o seu treino diário de 1500 metros em cima do tapete. Ou seja, o presidente farta-se de correr sem sair do mesmo sítio...
Não me lembraria de melhor metáfora para o pais.

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