2018/10/22

DOCLisboa 2018


Está de volta o DOCs, o mais importante festival de cinema documental de Lisboa, este ano na sua 16ª edição. São mais de 200 filmes, de longa e curta metragem que, ao longo de 10 dias (18-28 de Outubro), podem ser visionados em cinco salas da capital: a Culturgest (sede e bilheteira central do festival), o cinema S. Jorge (onde tudo começou), a Cinemateca Portuguesa (parceiro habitual do evento), a Cinemateca Júnior (com filmes dedicados aos mais jovens) e o Cinema Ideal (parceiro recente desta aventura).
Nem sempre é fácil ver os filmes mais badalados ou aqueles que suscitam maior curiosidade. Seja pela temática, seja pela obra dos autores, muitos deles nomes habituais do certame.
Uma das dificuldades, reside na dispersão do festival pela cidade, que obriga a verdadeiras maratonas entre as salas, nem sempre com sucesso: ou falta tempo ou faltam bilhetes.
Como habitualmente, o Festival está organizado em secções temáticas, das quais a "Competição Internacional" é apenas a mais visível, devido às menções atribuídas por um júri internacional, que garantem a distribuição automática dos filmes no circuito comercial.
Depois, a "Competição Portuguesa", com obras de novos e consagrados autores, que aqui apresentam os seus filmes em estreia. Também esta secção é premiada.
Mas, há mais: A secção "Riscos: new visions", com três autores convidados (James Benning, Mike Hoolbom, Jen-François Stévenin; a secção "Retrospectiva" (este ano dedicada ao realizador colombiano Luis Ospina); a secção "Foco: navegar o Eufrates, viajar no tempo do Mundo"; a secção "Da Terra à Lua"; a secção "Heart Beat"; a secção "Cinema de Urgência"; a secção "Verdes Anos" (dedicado a jovens autores portugueses); a secção "DOC Alliance" e a secção "Projecto Educativo".
O festival oferece ainda, outras actividades paralelas, como o Encontro com Luís Ospina, "workshops" com técnicos de laboratório e práticas cinematográficas, exposições fotográficas, sala de projecções em vídeo, etc. Uma festa, portanto!
Destaque, neste primeiro fim-de-semana, para os títulos "The Waldheim Waltz" da austríaca Ruth Beckermann (2018), sobre o ex-secretário-geral das Nações Unidas, impedido de concorrer ao cargo de presidente daquele país, devido à colaboração com o nazismo durante a guerra; o filme "The Silence of the Others", de Almudena Carracedo e Robert Bahar (2018), sobre as vítimas e sobreviventes da ditadura franquista, e "Fahrenheit 11/9", de Michael Moore (2018), um olhar provocador e cómico sobre a era de Trump (como entrámos e podemos sair dela).
Dos filmes vistos, realce para "Matislav Rostropovich, the indomitable bow" de Bruno Monsaingeon (2017), sobre o génio do violoncelo, forçado a um exílio de 16 anos, depois das autoridades soviéticas lhe terem retirado a nacionalidade e de ter ajudado Soljenitsine (Arquipélado de Gulag) que chegou a viver na sua casa de Moscovo. Um documentário de uma sensibilidade extraordinária, sobre um dos maiores músicos do século passado, onde são passados em revista os momentos mais significativos da sua atribulada, mas preenchida vida.
Uma agradável surpresa, seria o filme "Il sogno mio d'amore" de Nathalie Mansoux e Miguel Moraes Cabral (2018), uma produção difícil, realizada ao longo dos anos 2014 e 2015, sobre o Conservatório Nacional de Música onde, em condições milagrosas (há tectos a cair!), professores e demais pessoal daquela casa, asseguram que a música, o canto e a dança, sejam ensinados diariamente a jovens talentos que deslumbram pela tenacidade e qualidade. Uma pequena obra de arte, só possível graças à solidariedade de todas as pessoas envolvidas e ao exemplo de amor à arte, demonstradas em imagens inesquecíveis. Senhores ministros da educação e da cultura, vejam este filme e reflictam!
"Graves Without a Name" (2018) é o mais recente filme do realizador Rithy Pahn (Cambodja) que, a exemplo de obras anteriores, continua a obra de catarse e denúncia do regime dos Khmer Rouge que, durante a sua existência (1975-1979), foi responsável pela morte de mais de 1,5 milhões de pessoas (1/3 da população). A maior parte destas vítimas, morreram nos célebres "campos da morte" (Killing Fields) destinados à "reeducação" política. Pahn, o único sobrevivente da sua família, morta durante o regime de Pol Pot, conseguiu fugir para França, onde cursou cinema nos anos oitenta. Desde então, vem construindo um laborioso legado sobre a memória da ditadura, em imagens belas, mas terríveis pelo seu significado (o regime não deixou quase nenhum material, filmado, sobre as condições existentes nos campos), as quais constituem, já hoje, o maior legado ao Museu da Memória da Ditadura, no Cambodja. Lembramos, para quem não conheça, os filmes "Rice People" (1994), "S-21: The Khmer Rouge killing machine" (2003), provavelmente o seu filme mais famoso, "Paper cannot wrap up members" (2007), "The missing people" (2013), o meu preferido e "Exile" (2016), este exibido no DOCs. Com o seu mais recente filme, Pahn conduz-nos, numa viagem iniciática (o realizador é o intérprete principal), aos campos de arroz, onde a família pereceu e onde, hoje, nada mais resta do que pó e pedras em campas vazias. As vozes dos sobreviventes são, agora, o único testemunho. A partir, daqui, que mais nos poderá mostrar o realizador? O círculo parece fechado. A memória, essa, permanecerá.
             

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