2018/11/26

Lisbon&Sintra Film Festival (2)


Filmes para todos os gostos, nesta 12ª edição do Lisbon&Sintra FilmFestival, que terminou ontem com a projecção do filme "The Code" (Cares Caparrós). A anteceder a exibição deste documentário, patrocinado pelo colectivo internacional de juízes do ICC, teve lugar um debate subordinado ao tema "Neoliberalismo - A semente do populismo e dos novos fascismos?",  com a participação do juiz Baltasar Garzón, da diplomata Aminata Dramane Traoré, do filósofo José Gil, da artista plástica Ângela Ferreira, da jornalista Ines Branco López e da historiadora Irene Pimentel, onde seriam abordados algumas das características mais marcantes da era pós-crise 2007, que esteve na origem de fenómenos como o "Brexit", Trump, Le Pen e os actuais movimentos nacionalistas europeus.  
Durante a semana, tempo ainda para ver duas estreias absolutas, os filmes "Season of the Devil" (Lav Diaz) e "The House That Jack Built" (Lars von Trier), para além de algumas obras já conhecidas, agora integradas nos diversos ciclos de realizadores homenageados. Foi o caso de "Hardcore" e "Adam Renascido", ambos de Paul Schrader, com direito a uma retrospectiva no festival; e o icónico "Torre Bela", de Thomas Harlan,  integrado no ciclo "O Desejo Chamado Utopia", seguido de debate, no qual participaram alguns dos intervenientes, que passaram pela famosa herdade, ocupada em Abril de 1975: Wilson Filipe, Camilo Mortágua, Francisco Fanhais, para além de Otelo Saraiva de Carvalho (comandante, à época, do Copcon), Roberto Perpignani (editor do filme) e José Manuel Costa, na qualidade de director da cinemateca portuguesa, que é proprietária do filme. Também esteve presente, Chester Harlan, filho do realizador. Uma animada sessão, onde entre palavras de sonho e desilusão, houve tempo para histórias desconhecidas do grande público, que o documentário, necessariamente, não pode mostrar.  Esta é a terceira versão do filme, que tem agora 2.20h e que, de acordo com o director da cinemateca, estará mais próxima dos desejos do realizador.
Lav Diaz (Filipinas), hoje um dos realizadores orientais mais aclamados a nível internacional, tornou-se conhecido no Ocidente, depois de "Norte, the end of history" (2013), que passou no Doc's desse ano. Desde então, é presença assídua nos festivais de todo o Mundo, onde obteve os principais  prémios e distinções. Após "Norte", seguiu-se "From What is Before" (2014), "A Lullaby to the Sorrowful Mistery" (2015), "The Woman Who Left" (2016) e, este ano, "Season of the Devil" (2018). Os filmes de Diaz, caracterizam-se pela sua duração (raramente têm menos de 4 horas!) e pela denúncia do estado de opressão e corrupção nas Filipinas, através de imagens de rara beleza que são usadas de forma metafórica para criticar a sociedade actual. O último filme (4 horas de projecção) não foge à regra, ainda que o tema (a repressão, nas aldeias filipinas, exercida pelas milícias do presidente Ferdinand Marcos) seja contado em forma de musical, com todos os personagens a cantar os diálogos. Estranho e encantador ao mesmo tempo, num registo a que não estávamos habituados.
Finalmente, o último filme do "enfant terrible" Lars von Trier, regressado após a sua polémica intervenção em Cannes (onde elogiou Hitler) e donde foi banido. "The House That Jack Built" é um filme terrível, onde o realizador não se inibe de mostrar o seu conhecido sadismo, através de imagens que contam a história de um "serial killer" americano. Pesem as imagens mais chocantes (diversas espectadores abandonaram a sala e uma espectadora sentiu-se tão mal que teve de ser retirada), o filme alterna o horror, com algum humor, numa "piscadela de olho" que ameniza a história entre episódios, mais ou menos grotescos. Hitler, está presente, da mesma forma que o Klu-klux-klan e as armas ao dispor de menores, numa alusão clara à paranóia americana. Destaque para Matt Dillon (no principal papel) bem secundado por Bruno Ganz e Uma Thurman, em pequenos, mas marcantes papéis. Não falta a grandiloquência habitual de Von Trier, um luterano em busca da eterna salvação, através de imagens deslumbrantes, das quais, o último plano no Inferno, é já um clássico. Tenham medo, muito medo.
P.S. Enquanto escrevíamos este texto, chegou-nos a notícia da morte de Bernardo Bertolucci. Curiosamente, o realizador esteve, como convidado, na segunda edição do festival em 2008, para apresentar o "making off" de "Novecento", provavelmente a sua obra-maior. Outros títulos marcantes, podiam ser nomeados: "Antes da Revolução", "O Conformista", "A Estratégia da Aranha","O Último Tango em Paris",  "O Último Imperador", "Um Chá no Deserto" ou "Luna". Nesta edição do Lisbon&Sintra Festival, foi exibido o seu filme "Il Conformista". Uma homenagem "avant la lettre". O cinema europeu ficou mais pobre.       

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