2006/09/25

ONG versus visão mercantilista do mundo

Transcrevo uma notícia do Jornal de Notícias de sábado passado:

O presidente da Assistência Médica Internacional (AMI), Fernando Nobre, acusa a actual administração norte-americana de pretender "subjugar toda a sociedade humana".
No último dia do encontro "Psiquiatria de Catástrofe e Intervenção na Crise", organizado pelo Hospital Militar de Coimbra, Fernando Nobre disse que o presidente dos Estados Unidos e os seus partidários encaram o Estado e os cidadãos "como simples sustentáculos ao serviço do seu único objectivo", que passa pelo "mercado livre, competição, diminuição do peso do Estado, desregulamentação, reestruturação dos sindicatos, mas desde que sejam domesticados".
Para o presidente da AMI, trata-se de uma "visão mercantilista" do Mundo e da humanidade e acusou os seus promotores de pretenderem "a maior acumulação possível de riqueza para alguns eleitos, mesmo que para atingirem tal fim seja necessário o desencadeamento de guerras injustificadas que matarão milhares ou milhões de seres humanos".
"Esta visão, que elegeu o mercado como novo bezerro de ouro, recusa-se a ver o sofrimento que provoca a milhões de seres humanos vistos como meros produtos descartáveis", sublinhou Fernando Nobre.
A "força motriz das forças actualmente dominantes" no Mundo, "os pobres, os desempregados e os fracos são vistos como meros incompetentes, culpados da sua triste sorte, não merecendo ser defendidos, nem ter voz", considerou.
A visão oposta, "que fiz minha, corporizada pelas Organizações Não-Governamentais, expressão da sociedade civil mundial organizada, quer colocar o ser humano no cerne de todas as questões", frisou Fernando Nobre.


Não conhecendo bem a AMI, tenho dela a melhor das impressões. Fernando Nobre é alguém que conhece os problemas in loco, já que é nos terrenos em que a ajuda humanitária é necessária que a sua entrega ao seu projecto se processa.
E também tenho a opinião de que as ONG são hoje em dia as instituições alternativas, "expressão da sociedade civil mundial organizada", num mundo dominado por estratégias meramente mercantilistas.
Mas, depois de ouvir da boca de José Mattoso (um inquestionável exemplo de entrega desinteressada a causas, conhecida a sua acção em Timor) que apenas 30% das receitas das ONG são, em média, de facto aplicadas para o fim em vista, é preciso tomar em linha de conta esta realidade.
Isto é, terá de haver um esforço de inverter o destino das despesas e aumentar a percentagem realmente gasta com o destino para que foram criadas as ONG.
Se não corre-se o risco de que os objectivos sejam subvertidos e de que a principal motivação das ONG passe a ser dar empregos (mais ou menos bem remunerados; no caso dos famosos pareceres técnicos especializados -- que muitas vezes nunca são utilizados -- são fortunas) a uns tantos habitantes dos países de origem.
Tenho a este respeito a opinião que Miguel Sousa Tavares expressou a propósito das Fundações. Diz ele que "entre nós as Fundações têm como objectivo principal a fuga aos impostos". Por isso recomenda que se investigue "quanto é que elas gastam realmente em filantropia e quanto é que recebem de volta em isenções fiscais e outros benefícios concedidos pelo Estado", e defende que as respectivas contas deviam ser tornadas públicas.
É o mesmo que defendo quanto à contabilidade (receitas e custos) das ONG, embora por motivos não necessariamente coincidentes.
É que, além do mais, seria uma boa maneira de os potenciais dadores decidirem a quem entregar os seus donativos, porque ficavam com uma ideia mais precisa de como estes seriam gastos.

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