2006/09/29

Olhar-se ao espelho

Registo a perplexidade de Miguel Vale de Almeida:
Parece que um quarto dos portugueses não se importavam que Portugal fosse parte do Estado Espanhol. A mim não me choca nada, desde um ponto de vista nacionalista - um ponto que não tenho. O que me choca é que haja tanta gente que pensa que para ter uma sociedade (mais) decente é preciso imaginar a pertença a outro estado, em vez de mudar o estado das coisas no sítio onde acontece viver-se.

Pois aqui é que está o busílis.
A pergunta complementar que se deveria fazer neste inquérito era: "com o que é que está disposto a contribuir para mudar o estado de coisas que o faz responder assim?" E propor alternativas do tipo 'oferecer trabalho voluntário de limpeza das matas, um fim-de-semana por ano'; 'não trazer o carro para dentro da cidade umas quantas vezes por semana'; 'começar finalmente a escolher o lixo e colocá-lo dentro do recipiente apropriado'; 'suscitar e participar regularmente nas reuniões da escola dos meus filhos'; 'interessar-se pelos problemas do bairro em que vivo e participar nas associações de moradores'; 'abdicar de umas noites de copos e inscrever-me num curso de valorização profissional', e assim por diante. O previsível resultado não seria, no entanto, fiável: das preocupações das pessoas já há muito desapareceram quaisquer vestígios de cidadania activa e, portanto, dariam respostas baseadas em intenções nunca concretizadas.
O que muito mais que 25% dos portugueses, para não dizer quase todos, querem é que haja alguém que lhes trate da vidinha: "eu cá já pago os meus impostos, agora ‘os gajos’ que tratem de pôr as coisas a andar como deve ser". E como cá já ninguém tem esperança em que haja alguém que resolva os problemas, quem sabe se os espanhóis... "Afinal eles são muito mais ricos que nós!"
Só um quarto é que tomou aquela posição, mas foi por causa dos preconceitos nacionalistas. Se não, seriam muitos mais.
Eu, que também não vejo as coisas de um ponto de vista nacionalista, sou levado a concordar com os tais 25%. Dizem que somos tão bons como os melhores quando temos de emigrar; uma das razões será porque lá fora a hierarquia é mais clara, assim se tornando mais evidente quem manda e quem tem de obedecer.
Já que não temos capacidade de participação autónoma nos processos, se calhar é preciso vir alguém de fora para organizar as nossas capacidades. E, potenciado pela integração europeia, é isto mesmo que vai acontecer: vamos ser funcionários de segunda, mal pagos, ao serviço dos mandantes primodivisionários da Europa.
O tempo próprio para poder ter interferido neste estado de coisas foi quando entraram em catadupas fundos europeus destinados à valorização dos portugueses, nos primórdios da nossa entrada na Comunidade. Esse tempo foi perdido entre interesses comezinhos, que para tudo serviram menos para a formação profissional dos que nos cursos se inscreviam.
As entidades promotoras ficaram com mais capital para gerir; os formadores obtiveram ordenados muito superiores aos do ensino regular; os formandos ganhavam umas migalhas deste bolo que davam para desenrascar; finalmente o Estado também se interessou muito menos com o destino dado aos dinheiros do que com a apresentação estatística de cursos, que justificava a continuação dos fluxos de dinheiro.
Tudo se fez a fingir e é por isso que me custa a crer que se possa dizer que Cavaco foi o melhor PM a seguir ao 25A.
Ficámos um conjunto de ignorantes, académica, profissional, cívica, humanamente mal formados.
Ainda teremos de ir mais ao fundo para começarmos a olhar-nos ao espelho e vermos no que demos?

2 comentários:

Carlos A. Augusto disse...

Alex? :-)

Antonio Barbosa disse...

Finalmente consegui entrar e opinar pelo meu "próprio pé".
Sobre este texto, só posso concordar por inteiro.
Tenho a sensação que, se não fosse por nacionalismo, a percentagem de pró anexação á Espanha seria bem maior. E se a mesma acontecesse, não serviria mais que para a habitual "promiscuidade suja entre instituições"(neste caso , entre dois países,na qual, a sociedade civíl serve apenas, para pagar a factura dos maus gastos.
Várias vezes falo da nossa independencia como um facto inglório, dado o resultado actual das coisas entre o crescimento de Portugal e o de Espanha.
Olhando apenas para o contexto actual, parece-me muito cobarde acatar este tipo de iniciativas e acho-as de fixação doentia.
A democracia (com todos os seus defeitos) é o espelho de um povo. Faz-se a média e obtém-se o portugues típico. Simpatico, desenrascado, mas pouco cívico, preguiçoso e covarde.
Mesmo com a anexação, nao me parece que os defeitos culturais se colmatem, apenas por acção dos espanhois. Nem eles iriam perder tempo com isso.
Bom exemplo é o da anexação ao Brasil, atraves das novelas e do futebol. Enche os bolsos da "TV GLOBO", e não nos ensina nada que seja de interesse publico.
Acho que os defeitos de Portugal se resolverão com o tempo. Provavelmente já terei desaparecido antes de ver, mas nao me parece que uma simples anexação os resolva. E dou toda a razao ao alex em tudo o que ele opina.
Por último, uma forma de anexação está em curso e chama-se EUROPA DOS 25, ou COMUNIDADE EUROPEIA.
Por aí se vê quem quer ser anexado e quem quer mandar. E o que cada País ganha com isso.
A História, em especial a do sec xx, tem muito por onde ensinar a não ser estúpido.
Aprenda-mos, então.