Proponho-me escrever alguns posts acerca da minha participação no Campeonato Nacional da Língua Portuguesa.
Poderá interessar a quem, como eu, goste da língua portuguesa.
O primeiro teste passou-se sem problemas.
Quanto ao segundo já não posso dizer o mesmo.
Começo por fazer alguns reparos a propósito dos dois textos desse teste. São textos que vêm propositadamente com erros que os concorrentes devem corrigir.
O primeiro texto é sobre três salteadores. Diz, na sua parte final (versão com as correcções do júri):
«Consideravam discutível não merecer castigo pelos crimes do passado, uma vez que estavam arrependidos. De qualquer forma, mesmo que fossem punidos, estavam decididos a nunca mais prevaricarem.»
Faz algum sentido que os salteadores achem que merecem castigo por causa de estarem arrependidos? Aquele "não" subverte toda a lógica do discurso; o natural era que os salteadores considerassem discutível merecer castigo, já que "estavam arrependidos" e "decididos a nunca mais prevaricar", "mesmo que fossem punidos". Só faria sentido usar o tal "não", se na última oração estivesse "apesar de estarem arrependidos". O arrependimento poderá ser motivo de perdão ou redução de pena; nunca do contrário.
Mas isto não fica por aqui. Atentem neste naco do segundo texto:
«Era um homem de um vigor titânico e as pessoas ainda hoje vêem nele um verdadeiro rei da força.
Desde há anos que todos lembram a sua intenção de não aumentar os salários para incentivar o investimento empresarial. Antes de o conseguir, morreu, há um mês, de uma insurreição popular dirigida por anarco-sindicalistas.»
Esse fantástico "homem de valor titânico" só por ter morrido em vésperas de o conseguir, não cometeu a proeza de "não aumentar os salários para incentivar o investimento industrial". Se não tem morrido lá teria ele, com certeza, não aumentado os salários.
No mesmo texto há a seguinte passagem completamente desprovida de lógica:
«No cumprimento dos deveres do novo mandato, o herdeiro foi ratificado pelo fórum, pois que os seus membros, mesmo com dúvidas, não queriam originar um precedente eleitoral, e decretaram a dispensa de provas. O recém-eleito é que não achou graça, entendendo que estavam a discriminá-lo.»
Primeiro, havendo ratificação pelo fórum, só depois desta o "herdeiro" encetará o "cumprimento dos deveres do novo mandato"; antes não estará ainda mandatado.
Segundo, diz o texto que "o escolhido era quase perfeito"; mesmo assim os membros do fórum tinham "dúvidas" e só "decretaram a dispensa de provas" por não quererem "originar um precedente eleitoral".
Terceiro, como é que o recém-eleito poderia entender que o estavam a discriminar se os membros do fórum até "decretaram a dispensa de provas", atitude que, além de ser a habitual (a exigência de provas teria sido "um precedente eleitoral"), facilitava a sua escolha?
Num Campeonato sobre a Língua Portuguesa, valia a pena porem uns textos que não fossem tão inacreditavelmente mal escritos.
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