A grande entrevista do primeiro-ministro a um "canal da concorrência" foi, a vários níveis, elucidativa. De um lado, dois entrevistadores apostados em mostrar as contradições do governo; do outro, um político que fez a sua carreira televisiva no "canal do regime" e domina a técnica do debate. Aos temas "quentes" da agenda nacional (função pública, serviço nacional de saúde, educação, localização do novo aeroporto, redução do "déficit", tratado europeu ou a "deriva autoritária" do regime), Sócrates respondeu invariavelmente ao "lado", algumas vezes irritado e, sempre, contrariando as insinuações negativas com projecções optimistas. Ficámos assim a saber que: apesar do governo ter anunciado uma redução de 6.000 funcionários públicos, só tinham sido dispensados, até agora, cerca de 900; que apesar do encerramento das unidades de saúde, o sistema está melhor do que no tempo de Leonor Beleza (!?); que, apesar do descalabro na matemática e no ensino em geral, há cada vez mais computadores nas escolas; que apesar de trinta anos de estudos, sem ter sido considerada, a hipótese Alcochete pode bem vir a ser a localização do novo aeroporto; que apesar da redução do "déficit", não ser uma obsessão, continua a ser o objectivo do governo; que o Referendo sobre o Tratado Europeu, não tendo sido rejeitado, poderá ser dispensado, por não se tratar de um novo Tratado; que o Manuel Alegre, tendo sempre dito que existia medo na sociedade portuguesa, não podia ser verdade. É difícil argumentar contra tantas certezas. Como pode um "lider" destes, enganar-se?
Revejo o programa, na sua repetição matinal, e fico com uma dúvida: ou os entrevistadores prepararam mal a entrevista, ou Sócrates vive noutro país, que não Portugal. Em tempos não muito recuados, um outro primeiro-ministro (agora presidente), também não lia jornais, nunca errava e raramente se enganava. Para o actual primeiro-ministro, apesar dos jornais, parece haver um só caminho: presume-se que seja longo, difícil e escuro, como um túnel, com uma luz ao fundo. Espero bem que não seja a luz do comboio em sentido contrário.
Como dizia, por estes dias, um famoso escriba da blogosfera: "isto ainda vai acabar mal"...
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