2008/02/24

Ana e o cilindro

Há entrevistas assim. A de Ana Gomes à RR, que ontem passou na RTP2 e hoje pode ser lida no "Público", é uma delas. Das entrevistas e das entrevistadas. Marcantes. Resta saber o que acontecerá agora.
Diz Ana, entre outras coisas, que há muito mais dados sobre os voos de prisioneiros da CIA (para Guantanamo) para serem tornados públicos e que este é um processo imparável, como as desculpas do governo inglês de Gordon Brown já o provaram. Não compreende, por isso, que o governo português actual (defensor dos direitos humanos, como ela gosta de frisar) não queira e até impeça um inquérito aberto e profundo sobre tão delicada matéria. Porque é disso que se trata. Uma matéria delicada para Portugal, cujas relações com os EUA o governo do PS não se atreve a pôr em causa.
Mas Ana diz mais: que o acordo da utilização da base das Lajes nos Açores, apesar de existir desde os anos cinquenta, nunca foi ratificado pelos americanos. Os sucessivos governos portugueses (de Salazar a Sócrates) sempre assinaram, mas os EUA não assinam. Limitam-se a utilizar a base (que é nossa). Extraordinário.
Sobre as suas opiniões, e como são vistas dentro do partido a que pertence, não podia ter sido mais esclarecedora: "Começaram por tentar comprar-me dizendo: 'Vê lá se não queres ir para a próxima lista (do PE)'. Depois, era a intimidação, as acusações de deslealdade. Agora estamos noutra, a que quase chamaria de cilindragem. A menos que me passem com um carro por cima, eu não paro". Uma mulher de coragem, a Ana.
Só que, depois, "borra a pintura toda", ao dizer: "Tenho dito que o primeiro-ministro tem sido mal informado e mal aconselhado nesta matéria". Oh Ana, mal aconselhado nesta matéria? O Sócrates? O condutor do cilindro?
E eu que estava a gostar tanto da entrevista...

2 comentários:

i figueiredo disse...

Pois é! Eu também vi a entrevista e pergunto: alguém a obriga a continuar naquele partido? Ou existe algum contrato de fidelização, tipo TMN ou TV Cabo, para quem vai para férias douradas (leia-se parlamento europeu). O que existe, de facto, é receio de perder este tacho e eventuais outros tachos na era pós-socrática. O resto é blá-blá. Coragem, verdadeiramente coragem, era bater com a porta, dizer quem são o "eles", tornar público tudo aquilo que sabe sobre os voos clandestinos, e outras coisas mais, etc., etc.. Agora isto? Folclore, meu caro Rui, folclore... andam todos ao mesmo, só o estilo difere! Apesar de tudo, que bem sabe estar em Bruxelas e receber o grosso el contado no fim do mês.

Rini Luyks disse...

É uma vergonha que o Governo não queira esclarecer a situação dos "voos CIA" . Aparentemente Portugal consegue ser ainda mais amigo da América do que a Inglaterra.
O poder corrompe quase sempre. Manuel Alegre e agora Ana Gomes podem bem tentar mudar o rumo do Partido Socialista, mas duvido que consigam. Sempre os conflitos entre a lealdade partidária (e as vantagens que ela traz, em termos gerais concordo com o comentário anterior, até onde vai a coragem de Ana Gomes?) e a consciência pessoal. Por isso não acredito na democracia parlementar.

A Ilha de Terceira continua um "quase paraiso" (fotos no meu post de 9 de Junho 2007 no blogue "Anacruses"), com aquela base das Lajes com uma mancha negra no meio de tanto verde.