2008/07/13

Casamentos e Funerais

Quem, por estes dias, ligue a televisão e assista ao que se passa nos bairros sociais da Grande Lisboa, não pode deixar de traçar paralelos com um filme de Kusturica.
Na quinta-feira, teria sido a desavença de um casal de etnia cigana que provocou os primeiros tiros entre dois grupos rivais do bairro da Quinta da Fonte. No seguimento deste primeiro confronto, um segundo tiroteio teve lugar, este mais violento, entre etnias africanas e ciganas. As imagens, de um vídeo amador, não mentem: dezenas de cidadãos armados disparavam contra outros moradores do bairro, em plena luz do dia. Os confrontos prosseguiram ao longo da tarde, agora já em directo e perante a aparente passividade da polícia e do ar paternal do ministro que avisava solenemente que "não eram permitidas armas ilegais em Portugal". Posteriormente, veio a saber-se que as armas apreendidas eram caçadeiras legais e que, das dezenas de atiradores, apenas dois tinham recebido uma notificação...
No sábado, enquanto decorria um casamento cigano num dos extremos do bairro, membros do grupo rival fugiam do local e, seguidos pela polícia, arrombavam casas na Quinta das Mós, outro bairro de realojamento. Interrogado em directo, o presidente do Concelho de Loures, um verdadeiro personagem saído de "Time of the Gypsies", declarava ufano que "recebia as chaves de quem desejasse ir-se embora" (?).
Ao mesmo tempo que ocorriam estes factos, no outro lado da cidade, um morador cigano do bairro do Zambujal era interceptado pela polícia quando transportava a mulher doente ao hospital. A paragem, de quase uma hora para revistar a carrinha, provocou a morte da paciente devido a um ataque cardíaco. Perante as acusações, a polícia remeteu-se a um silêncio comprometedor.
Não fora a gravidade da situação (a que se junta a completa desorientação de que dão mostras os responsáveis da Administração Interna) e estávamos tentados a convidar o realizador sérvio para filmar em Portugal a próxima saga do povo Roma. A realidade, em Lisboa, há muito tempo que ultrapassou a ficção. Só falta escrever o guião.

2 comentários:

Carlos A. Augusto disse...

Faltará apenas referir mais uma coisa. Uma vez mais, a cobertura que as televisões fizeram destes acontecimentos foi uma lástima. A linguagem foi nalguns casos ofensiva. A lógica por detrás do trabalho jornalístico é preconceituosa e criticável.
O papel dos orgãos de informação televisiva não é manifestamente aquele a que assistimos.
Por outro lado, as direcções de informação deveriam ter muito mais cuidado na escolha dos jornalistas que destacam para estas reportagens.
Está na hora de criar um canal de informação que vá para o terreno, em ocasiões como esta, cubra o trabalho dos jornalistas, que o exponha e o analise perante a opinião pública...

Rui Mota disse...

O jornalismo português actual vive de "sangue" e a SIC (que passou a maior parte das imagens à exaustão) luta pelo maior "share" de informação. Nesta "luta" pela publicidade (é disso que se trata) não há valores éticos.
De resto, é fácil distinguir quem é destacado para este tipo de reportagens que, normalmente, não são acompanhadas pelos melhores quadros das estações televisivas.
Um círculo vicioso...