2008/07/28

Feios, porcos e maus

Desde que, na passada semana, o país inteiro pôde presenciar - ao vivo e em directo - um tiroteio sem precedentes entre habitantes de um bairro da periferia de Lisboa, que Portugal não fala noutra coisa.
As opiniões podem, globalmente, ser divididas em dois grandes grupos: aqueles que, como o SOS Racismo e o Bloco de Esquerda, fazem das "minorias étnicas" as suas bandeiras de estimação e procuram justificar todos os desmandos com os argumentos do racismo e da discriminação existentes; e aqueles que, como Fernando Madrinha e Mário Crespo (de quem corre um artigo na NET) parecem mais preocupados com os beneficiários do "rendimento mínimo" que - pasme-se! - até possuem plasmas e leitores de DVD em casa (!?).
Há algo de sórdido e mesquinho nesta história de criminalidade urbana que, não por acaso, teve lugar num bairro de realojamento onde, não por acaso, viviam antigos moradores do Parque Expo que, não por acaso, eram na sua maioria desempregados de origem negra e cigana. Não por acaso.
E é aqui que a "porca torce o rabo". Com raras excepções (Vasco Pulido Valente) ninguém pareceu preocupado com a política social de alojamento e o modelo urbanístico que lhe está subjacente. Desde há muito que na Europa civilizada (onde existem políticas de imigração) foram abandonados os bairros sociais para pobres, por razões que a Sociologia explica. O modelo seguido em cidades cosmopolitas como Paris, Londres, Amsterdão ou Berlim é, de há décadas a esta parte, o da integração progressiva dos estrangeiros em bairros populares onde convivem com políticos nacionais, médicos, professores universitários, estudantes, operários fabris, desempregados e prostitutas legais. E o sistema funciona.
Também na mesma Europa, já foi tentado o modelo periférico de exclusão social. Os guetos aí formados, levaram à implosão da maioria destes bairros sociais na década de oitenta. Vinte anos depois, Portugal parece não ter apreendido nada com a experiência alheia. Continuamos a deixar crescer os bairros ilegais nas periferias das cidades e, quando é necessário realojar os seus habitantes, despejamo-los em "torres" a que chamamos bairros, sem jardins, centros de dia, escolas, supermercados ou esquadras e polícia de proximidade. A polícia, de resto, tem medo de lá entrar.
O que se passou na Quinta da Fonte é, de há muito, conhecido dos responsáveis por este monstro urbanístico. Só que, deste vez, foi filmado e pudemos ver em directo o que lá se passa.
A menos de um kilómetro da minha casa, existe um dos bairros mais problemáticos da grande Lisboa, a Cova da Moura. Um aglomerado de construções clandestinas erguidas nas décadas de setenta e oitenta onde, calcula-se, vivem mais de 5000 pessoas. Quem as deixou construir estas habitações (que já foram barracas e hoje são casas de alvenaria e tijolo)? Certamente, a autarquia da Amadora, onde existem dezenas de bairros clandestinos cujos moradores são, na sua maioria, negros, ciganos e desempregados. Alguém imagina um emigrante português a construir uma casa clandestina em Berlim ou em Amsterdão? Obviamente que não. Como pode um governo exigir respeito se não cria regras de convivência socialmente aceitáveis?

2 comentários:

Rini Luyks disse...

Ontem vi uma repetição de um dos programas: "Cova da Moura - o meu bairro" (apresentado por Catarina Furtado). A RTP dá cãmaras de filmar aos moradores para fazer documentários sobre o seu bairro que depois são emitidos em horário nobre, os autores são entrevistados por Catarina, com momentos musicais pelo meio, uma festa!
Parece-me mais uma tentativa de levantar a auto-estima (tema muito "estimado" neste país), mas o que acontece no dia depois da festa? Não continua tudo na mesma? (observação pessimista talvez, mas não consigo ver isto de outra maneira...)

Carlos A. Augusto disse...

Também vi este programa. Apesar de ser uma situação realtivamente difícil de apreciar com objectividade e de parecer q ue o programa pode de facto ter efeitos benéficos, há uma sombra de paternalismo naquilo tudo que nnão deixa de chocar.
A questão contudo pode ser debatida para os dois lados...