2009/02/24

O insustentável peso da censura

De forma cordata e pedagógica o Dr. Elísio Sumavielle, director do IGESPAR, tem passado o dia de hoje a explicar aos portugueses que a "lei da rolha", imposta aos técnicos e funcionários daquele Instituto, não é censura. Diz ele, com candura, que passou por muitas situações idênticas enquanto funcionário e que acha perfeitamente normal esta regra de funcionamento interno. Pois.
Acontece que medidas como esta, não sendo sequer inovadoras, têm vindo a repetir-se mais frequentemente do que seria desejável. Estamos a lembrar-nos da perseguição e suspensão, aplicada pela coordenadora da DREN ao professor Charrua no Porto; a visita da polícia a um sindicato de professores em Coimbra, durante as manifestações de 2008; ou as ameaças explícitas do ministro da propaganda socialista, o inenarrável Augusto Santos Silva, que faz gaúdio em anunciar que gosta de "malhar" na oposição.
A outro nível, mas não menos preocupante, é a intromissão da Igreja nos hábitos e costumes dos cidadãos, condenando o casamento com membros de outras religiões, ou censurando a homosexualidade como um comportamento desviante.
Hoje mesmo, a comunicação social dá conta da apreensão de alguns exemplares de um livro de arte, cuja capa reproduz um quadro famoso de Gustave Courbet (ver "post" anterior) com a pretensa e esfarrapada justificação da pornografia.
Sabíamos que a "lei da rolha" era uma prática vulgar nos tempos da "outra senhora", da mesma forma que o "centralismo democrático" ainda continua a ser aplicado em partidos estalinistas. Também sabemos que o progresso nunca foi apanágio da igreja e dali não se esperam grandes "revelações".
Começa, no entanto, a tornar-se prática corrente a tentativa de "abafar" vozes que discordem da cultura dominante. Tudo o que sai da "normalização" e arrisca incomodar o poder (político ou outro) começa por ser negligenciado e, em última análise, silenciado. Se não podemos silenciá-lo, há sempre um regulamento interno para justificar a sanção. Ora estas, cada vez mais frequentes, erupções autoritárias não surgem do nada, nem sequer da pena de um legislador mais zelota.
Antes radicam numa longa história de censura e punição, certamente iniciada na velha inquisição, continuada no recente fascismo e hoje aplicada por governantes de espírito castrador. Ou seja, uma tradição de 400 anos. É obra.
Como tudo o que é demais, começamos a estar fartos desta gente de voz cândida e persecutória. Pactuar com tal vileza seria sujeitarmo-nos à condição de figuras passivas de um jogo no qual só podemos participar se abdicarmos da opinião. Esperamos que os funcionários do IGESPAR não deixem de dizer o que lhes vai na alma, pois para património arqueológico já bastam as pedras tumulares. Maior peso, só mesmo o da censura.

1 comentário:

Carlos A. Augusto disse...

O pézinho a fugir inesperadamente para a chinela, ou a prova que no melhor pano cai a nódoa...