Algumas reacções que o meu post de ontem suscitou fizeram-me pensar. Enquanto reflectia sobre a dificuldade em lhes dar resposta o senhor Primeiro Ministro veio em meu auxílio: "Querem saber um erro [da governação socialista]?" perguntava ele aos jornalistas ontem à saída do parlamento. "Se há um erro que é possível indentificar ao longo destes anos, é que talvez deveríamos ter investido mais na cultura."
Porque faria o Primeiro Ministro uma tal declaração?
Simples: porque sabe que a cultura é uma área onde admitir erros não "custa" votos e porque são os próprios agentes culturais que impedem muitas vezes que a cultura se torne o centro do debate, que passe a valer votos e que a ausência de uma política neste sector custe caro a qualquer executivo.
Nao quero estar a alimentar polémica esteril, mas insisto neste tema porque algumas das críticas que são feitas ao projecto Belgais me merecem atenção e alguns dos críticos me merecem respeito...
Mas, acho (é a minha opinião e o meu argumento de combate) que não devemos alimentar esta "polémica" dos pretensos pecados financeiros de Belgais. Aliás, nem sei se os há, admito que sim, embora ninguém os tenha denunciado claramente... No caso de Belgais nem há o limite do trânsito em julgado, porque Belgais já foi condenado sem remissão.
Belgais não passa de um pretexto. A verdade é que a cultura tem sido, é e vai continuar a ser vítima da indiferença ou do interesse parolo de todos os governos. De vez em quando, qual estrela cadente, há um brilho fugaz no céu, mas rapidamente o curso normal das coisas é retomado.
Para os vigaristas, os corruptos, os bandidos que poluem sectores vitais da nossa vida colectiva, total complacência, tolerância e compreensão. Para Maria João Pires e Belgais, a roda já! Que "activos" poderia Belgais ter?
A verdade é que este tratamento iníquo não menoriza, nem retira importância à cultura. Mas aceitar uma discussão nestes termos (e é o que muitos críticos de Belgais fazem) acaba por resultar nisso: menorização e secundarização desta área.
O que posso dizer, sem ter dúvidas, é isto: o que conheço e o que presenciei em Belgais revelaram-me um projecto que estava em contacto com o Céu. Estava solidamente alicerçado nos seus pressupostos e na sua filosofia de actuação. Como escrevi anteriormente, o futuro estava certo em Belgais.
Ora, para criticar Belgais, para retirar apoios a Belgais, para ser comissão liquidatária do futuro, o estado teria de ser melhor que Belgais! O estado teria de ser Belgais, de demonstar uma igual exuberância de actividade e profundidade de desígnios . Mas não foi nem é esse o caso. O estado limita-se a retirar o pipo e deixar que o frágil balão se esvazie, passageiro. Que nomeasse gestores para melhor lidarem com os dinheiros públicos, se foi esse o pecado de Belgais. Que lhes desse umas pensões chorudas para melhor os atrair, mesmo que essas pensões custassem outro Belgais... Que criasse um "mau Belgais" para absorver os produtos tóxicos gerados pelo projecto. Que "nacionalizasse" até Belgais, admite-o perfeitamente. Mas que preservasse, pelo menos, o essencial de tudo aquilo. Para poder criticar Belgais...
Não é o primeiro ministro, que agora confessa o pouco apetite socialista pela coisa cultural, que contra os problemas defende a acção firme e condena o conformismo? Pois, Belgais foi acção contra o problema da indiferença.
O que a gente retira de tudo isto é apenas o seguinte: Belgais não apresentava risco "sistémico"... Não há o menor perigo de os "clientes" defraudados ocuparem instalações ou fazerem esperas ao senhor ministro à porta de um qualquer parque de estacionamento.
Cabe-nos a nós demonstrar que houve, há e haverá mesmo risco sistémico para a vida do país se este tipo de comportamentos continuar a ser aceite.
E a discussão útil está na busca dos termos adequados para o provar.
2 comentários:
Belgais é a repetida fata-morgana no deserto cultural Português!. Onde a cultura sempre foi de batatas, cenouras, nabos, e couves, só se pode ver, cheirar, e até mesmo sentir, a vontade do cozido á Portuguesa. Se o primeiro ministro diz estar arrependido de não ter investido na cultura em Portugal, pensa, cheira, sente, aquilo que diz. Sinto-me muito, mas mesmo, muito mais! INFELIZ.
Não vale a pena chorar sobre o leite derramado. Vale a pena votar em Setembro em outros governantes. Se vão, ou não, mudar as prioridades culturais, não sabemos. Olhando para trás, já se percebeu que em trinta e cinco anos, só houve um ministro da cultura digno desse nome e que, mesmo esse, bateu com a porta quando o governo socialista da altura não lhe garantiu 1% do Orçamento de Estado para investir neste sector...
Mas, penso que não é só uma questão financeira, pois o dinheiro aparece quando é preciso promover campanhas político-partidárias mais do que suspeitas. O problema português de fundo tem a ver com a cultura que falta a grande parte dos agentes culturais deste país, sempre mais preocupados com o seu umbigo do que com a divulgação e a promoção do que deve ser um serviço público de qualidade. Quanto à "cultura comercial", o mercado encarrega-se de ajustar a oferta à procura, pelo que não devemos estar preocupados.
Sim, Belgais deve ser apoiado, como devem ser apoiados dezenas de projectos que são frequentemente descontinuados, porque o governo central ou os poderes locais mudaram de côr política e tudo tem de "começar de novo", sempre que se inicia uma nova legislatura. Esta prática portuguesa revela de um provincianismo tacanho, do qual não nos conseguimos libertar apesar das dezenas de anos de prática democrática. Não há democracia na cabeça dos gestores da coisa pública, agentes culturais incluidos, e estamos todos a pagar a factura. Sei do que falo, pois sofri pressões enormes para "programar" de acordo com os interesses partidários e nessa altura não havia constrangimentos financeiros. Isto é a prática por esse país fora e podia contar aqui alguns exemplos paradigmáticos. Assim, não vamos a lado nenhum...
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