2010/04/14

O fordismo está de volta... pela mão da PSP!

O fordismo foi aquela ferramenta do capitalismo, tão bem retratado por Charlie Chaplin no seu aterrador filme "Modern Times", que consistia no uso de mão de obra desqualificada para produzir mais e mais barato. Colapsou em toda a linha. Este colapso explica aliás muitos dos problemas com os quais as sociedades contemporâneas se debateram ao longo dos últimos 30 anos e é um dos factores que contribui para a explicação da presente "crise".
Ora, numa altura em que o fordismo se transforma, mais e mais, numa relíquia da história dos povos, ei-lo que parece renascer por via da acção de uma entidade totalmente supreeendente: o Ministério da Administração Interna português!
Segundo o DN de hoje, "a Direcção Nacional da PSP estabeleceu números mínimos de multas, detenções, viaturas a bloquear e a rebocar, operações Stop, entre outras actividades, que devem ser atingidos pelos comandos de todo o País (...)
Um documento oficial do Comando Metropolitano do Porto, a que o DN teve acesso, define objectivos à exaustão. Cada divisão, Gondomar, Maia, Vila do Conde, Vila Nova de Gaia, Matosinhos, a 1.ª, 2.ª e 3.ª, e as divisões de trânsito, investigação criminal e aeroportuária, receberam as ordens escritas do intendente Abílio Pinto Vieira dos valores que devem atingir em 2010 na sua actividade operacional.
Tudo ao mínimo detalhe, desde o número de armas que deverão ser apreendidas - e que implica, obrigatoriamente detenções - ao número de arrumadores que devem ser autuados, passando, pelo número de testes de álcool, multas de trânsito e empresas de segurança privada que devem ser fiscalizadas."
Seria, como se costuma dizer, risível se não se tratasse de uma tragédia total.
Compreendem-se os objectivos. Trata-se de criar mecanismos para proceder à avaliação desta força policial. Até aí ainda se percebe.
O que já é mais difícil engolir é que os critérios de avaliação da actuação da polícia sejam determinados, não pela qualidade da sua intervenção (acções preventivas, por exemplo, com a proximidade e empenho que permitiriam diminuir actos e comportamentos que deveriam ser excepcionais e raros, puníveis com raro e excepcional rigor; a avaliação do grau de eficência da actuação das forças policiais quando são solicitadas a intervir; ou ainda a avaliação e a correcção das causas que levam a uma actuação ineficiente, por exemplo), mas por um desempenho desqualificado, de cariz marketing-contabilístico, em torno de factores cujo surgimento revela, ele próprio, amadorismo, e a total inépcia do seu papel e o das outras entidades que devem agir sobre estas matérias.
Digamo-lo com clareza: quanto mais armas, mais as multas de trânsito, ou mais testes de álcool a PSP efectuar mais se revela que não estão, nem eles nem as outras autoridades e organismos públicos, a actuar da forma e no momento mais adequados, parecendo antes quererem-se alimentar antropofagicamente dos podres da sociedade para justificarem o seu salário. Só fazendo previamente vista grossa a estes podres se pode depois vir pedir para actuar desta forma sobre eles.
Prevenir e não remediar, deveria ser este o lema da actuação da Polícia.
Há contudo uma avaliação urgente e necessária que esta medida, vá ela para a frente ou não, vem revelar como possível e absolutamente desejável: os "génios" que se lembraram disto deviam levar nota zero na sua própria avaliação!
Se o Ministro da Administração Interna não fizer já esta avaliação nós, cidadãos, cá estaremos para o avaliar a ele...

3 comentários:

Mão disse...

Pois é, Carlos, tens toda a razão. Não esqueças, porém, que toda a administração pública está contaminada por esta mesma prática. A mania da avaliação individual e a presunção de que é através da fixação de objectivos quantitativos que se melhorará a "produtividade" campeia. Como as administrações são muitas vezes incompetentes e não conseguem compreender objectivos qualitativos, inventa-se uma ideia de progressão infinita que coloca sob pressão as pessoas que trabalham e as leva, aliás com muita perversidade, a fixar-se numa execução mecânica dos objectivos quantitativos. E a deixar, necessariamente, de lado o sentido daquilo que fazem. Ou seja: esse fordismo de que falas não é algo do passado: é a realidade presente e está para durar...

Rui Mota disse...

Faz parte da ideologia actual: quantificar os objectivos, para dar uma ideia de eficácia. O mesmo foi pedido aos médicos, que vão passar a trabalhar por objectivos. Não interessa se operam bem ou não, desde que façam um número X de operações por dia. Também tem a ver com o Taylorismo, sim senhor...

Carlos A. Augusto disse...

ZL,
Mas que bom ver-te por aqui! Que surpresa.
Obrigado pelo comentário. Espero ver-te por aí em Maio.
Já agora --em jeito de acrescento ao post e aos comentários--, mas também em jeito de clarificação, diria ainda que parece notório que há aqui um desvio do ónus da avaliação.
É que as chefias parecem com este tipo de actuação querer vulnerabilizar os seus subordinados e eximirem-se, eles próprios, de avaliação. Daí que seja importante exigir que os autores deste tipo de medidas sejam, eles próprios, avaliados por as sugerirem. Elas revelam bem as suas competências...
Razão têm os sindicatos em repudiar estas manobras.