Hoje ouvi o senhor Procurador Geral da República barafustar contra "os portugueses" porque dizem mal de tudo. Ele é a saúde, a justiça, a educação, nada está bem para "os portugueses", segundo o senhor PGR.
Como se depreende das palavras do senhor PGR está, pois, tudo uma maravilha, o que está errado... são os portugueses.
Pois senhor PGR, há que dizer que V. Exa. está totalmente equivocado. Fosse isto um país a sério e não a infeliz opereta de que V. Exa. é um dos protagonistas e talvez V. Exa. estivesse já há muito fora do elenco, ou talvez nem nele tivesse mesmo entrado.
Repare V. Exa. no seguinte. A minha mãe tem 95 anos e foi há pouco operada a uma fractura do fémur, num hospital recentemente inaugurado com pompa e circunstância. Ainda mal lhe tinham tirado a máscara da anestesia já a ameaçavam com alta, porque "hospital não é asilo", sic! Mas, adiante...
Ora, hoje fui com ela a uma consulta nesse hospital recentemente inaugurado, com pompa e circunstância. Lá chegado dirigi-me ao serviço para requisitar uma cadeira de rodas
Será fácil imaginar que a minha mãe não está em condições de percorrer os longos corredores desse magnífico e novo hospital, inaugurado com pompa e circunstância...
A funcionária do serviço informou-me que durante o fim de semana a sala onde se encontram armazenadas as ditas cadeiras de rodas tinha ficado aberta e que as urgências deste magnífico hospital, inaugurado com pompa e circunstância, tinham vindo sacar à sorrelfa todas as cadeiras disponíveis. A solução, dizia-me a solícita funcionária, seria eu ir ao serviço de urgência (um outro edifício, longe deste onde me encontrava) recuperar uma das cadeiras surripiadas, em pleno fim de semana, do serviço de consultas do moderno hospital.
Como fazê-lo? Onde iria eu deixar a senhora enquanto participava na operação de resgate da cadeira surripiada? Onde a iria sentar entretanto? Não podendo aceder à sugestão da dita e gentil funcionária lá tentei resolver o assunto como me foi possível. Acaba sempre por haver uma maneira, ou não fossemos nós conhecidos pelo desenrascanço.
Já na sala de espera, à falta de cadeiras de rodas, havia dois monitores que passavam, sem cessar, imagens obsessivas, felizmente mudas, do primeiro ministro e do presidente do conselho de administração do dito hospital inaugurado com pompa e circunstância, acompanhadas de sequências onde se podia ver o hospital em funcionamento quase idílico, tudo brilhante e funcional, e o slogan "A saúde da nova geração" a aparecer em momentos cuidadosamente cronometrados.
As imagens faziam-me lembrar aquele filme chamado "The Island", não sei se viu. Era tudo branco e luminoso. Os personagens das tais imagens idílicas sorriam de felicidade. Dos seus dentes soltavam-se pequenas estrelas.
Neste hospital não está tudo mal. Melhor seria! Mas, são pormenores como este que lhe descrevi que juntando-se a todos os outros levam a dizer que está tudo mal. Infelizmente, situações como esta multiplicam-se com uma frequência indesejada. Uma só já seria demais. E a solução acaba sempre por cair em cima do cliente. Seja nos desmandos da banca, seja nos da administração pública, seja nas cadeiras de rodas. O cliente desta unidade de "saúde de nova geração" que vá buscar a cadeirinha que uma organização deficiente permite subtrair...
Nos monitores da sala de espera aparecem os responsáveis por tudo e é isso que levará os utentes a pensar que tudo está mal. Pois se o primeiro ministro e o administrador-mor aparecem nos monitores da sala de espera a dar a cara por uma unidade hospitalar tida como exemplar, ainda com cheiro a tinta fresca e a gente quer uma cadeira de rodas e ela foi palmada, o que quer V. Exa. que a gente pense? Se eles são os responsáveis por tudo, e isto acontece, está tudo mal!
É como V. Exa.. Tivesse V. Exa. pensado melhor, senhor PGR, e talvez a simples ideia de que o cliente poderá por certo ter alguma razão o obrigasse a temperar as declarações. Tivesse V. Exa. pensado que o cliente lhe paga o ordenado e que tanta queixa poderá, poderá!, acabar mesmo por ter fundamento e teria V. Exa. ficado calado. Levasse V. Exa. a sua função a sério e talvez os alvos do seu comentário se invertessem. Outros alvos seriam objecto da sua intervenção. Por isso a gente pensa que a PGR está toda mal.
Não estamos todos (ainda) na Island... Mas, pagamos já todos os altos custos da insularidade.
2 comentários:
A situação descrita é por demais conhecida e não melhora com o tempo. As estruturas são óptimas e brilham como os dentes dos habitantes da "ilha", mas a organização é deficiente. Sempre. Um mal congénito, que tem na sua base as conhecidas incapacidades organizativas dos hospitais e a necessidade da rentabilidade económica que prevalece sobre os cuidados a prestar aos utentes. Os mais idosos, são os que sofrem mais, pois deixaram de contribuir para o orçamento nacional e tornaram-se um peso para o sistema. Uma vergonha nacional que urge combater e denunciar, pois vêm aí tempos ainda mais duros.
E tu, infelizmente, sabes ainda melhor do que eu do que estamos aqui a falar...
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