2011/08/09

Reino Unido: a lei vista de fora por dentro

Dirigindo-se aos responsáveis pelos motins que estão a ocorrer em várias cidades inglesas, David Cameron classificou estes actos como "criminalidade pura e simples que tem de ser combatida e desencorajada." Uma vez que o número de detidos já se aproxima dos 500, pode-se concluir que, tal como aqui escrevi no caso da Síria,  no Reino Unido existe um anormalmente elevado e inexplicavelmente significativo índice de criminalidade.
Como puderam Cameron e os seus antecessores deixar a criminalidade atingir tais níveis no seu país? É, também neste caso, uma pergunta que fica no ar. Como pode Cameron pensar em combater e desencorajar estes "crimes" dissociando-os da crise que o país atravessa, tripudiando sobre a difícil situação económica de camadas significativas da população e esquecendo as medidas —muitas já implementadas no seu consulado— que vieram agravar ainda mais as, já de si, difíceis condições de vida de toda esta gente que agora se amotina? Quem é que acredita que um fenómeno desta natureza e amplitude se resume a "criminalidade pura e simples", como lhe chamou Cameron, ou "crime organizado" como sugeria um imbecil qualquer, português, alto dirigente de um observatório não-sei-quê, desses, que observam não se sabe bem o quê...?
Ainda vamos assistir, no meio do prometido combate aos amotinados das cidades inglesas, à tomada de  medidas do tipo a que chamo de Santa-Bárbara-quando-troveja. Tal como Bashar al-Assad, Cameron ainda se vai lembrar um dia destes de aliviar a canga para tentar sair de tudo isto como dominador de um fogo que ele próprio ajudou a atear.

8 comentários:

Rui Mota disse...

Dos protestos sírios aos motins ingleses vai uma diferença abismal. Enquanto os primeiros têm lugar sob um regime ditatorial (contra uma ditadura dinástica de 40 anos) os segundos são um prenúncio do mal-estar que grassa na Europa. Num lado luta-se por mais liberdade, noutro por mais oportunidades, ainda que a violência, no caso inglês, seja (aparentemente) gratuita e nihilista. São dois patamares distintos de contestação: um com um objectivo claro (derrubar a ditadura), outro contra a falta de oportunidades do sistema (o episódio da morte do taxista, foi um pretexto para a destruição). Não há objectivos claros nestes últimos. Para já, são apenas jovens deliquentes frustrados e sem perspectivas futuras, muito longe do movimento de "indignados" espanhóis, por exemplo. Não parece que de Londres vá surgir qualquer movimento politizado. A ver vamos...

Carlos A. Augusto disse...

Não pretendo encontrar paralelos a esse nível que referes. É claro que nessa perspectiva estes acontecimentos não têm nada de comparável.
Ou terão...?
Apenas quero sublinhar que o poder, na anti-democrática Síria ou na democrática Inglaterra usa a mesma argumentação quando confrontado com os seus pecados e abusos. Os números não indiciam que estejamos perante a ideia de fenómenos marginais que, quer num, como noutro caso, o poder usa para caracterizar tudo isto. No caso inglês isto não pode deixar de chocar.
O meu reparo é feito mais naquela perspectiva brechtiana do "Todos falam da violência das águas do rio, mas ninguém fala da violência das margens que o oprimem”.
Aconselho a leitura do artigo "London: a class divided" indicado aí ao lado no "noticiário".

Carlos A. Augusto disse...

E, já agora, eis uma "leitura" curiosa e "poética" de tudo isto. Aqui,

Carlos A. Augusto disse...

Pior do que estar calado nesta altura é dizer o que diz Cameron: "it is clear that there are things badly wrong in our society."
What things? Who's wrong?
E assim, numa só frase, Cameron passa a batata quente para "eles"... Não nós... "eles"!

Carlos A. Augusto disse...

A lei vista de fora por dentro... Subitamente os sírios dão-me razão! Uma leitura curiosa.

Rui Mota disse...

Os sírios não têm nenhuma moral para acusar os ingleses, ainda que estes últimos também tenham telhados de vidro. De qualquer forma, um regime é ditatorial e o outro é uma democracia parlamentar. Se os motins de Londres fossem em Damasco, quantos mortos não teria havido?
O Tariq Ali escreveu ontem, no The Guardian, uma crónica elucidativa sobre o assunto.

Carlos A. Augusto disse...

Eu não defendo este tipo de reacções e lamento profundamente as consequências de tudo isto. Não devia acontecer. Muitos inocentes já pagaram as favas. Olha aqui por exemplo...
"Os sírios não têm nenhuma moral para acusar os ingleses", pois mas é justamente isso que está em causa. Espero que não estejas a concluir que eu sugeri que sim. O que é suposto numa sociedade civilizada, democrática, é não haver coisas destas. Não é a forma como se lida com os motins que está aqui em questão. É a sua ocorrência.
"Os sírios não têm nenhuma moral para acusar os ingleses", mas, pelo facto de surgirem coisas como estas em Inglaterra, com esta expressão e violência, a inversa é também verdadeira. Infelizmente, para disfarçar o verdadeiro problema, o poder em Inglaterra usa exactamente o mesmo discurso que o Assad. Ele percebeu isso (outros países como o Irão reagiram da mesma forma e até o Kadhafi, imagine-se!!) e falar de democracia e comparar maneiras como a polícia lida com isto não resolve os problemas.
A velha democracia inglesa não devia ter de lidar com problemas destes... De facto, como diz o Cameron, algo está completamente podre naquela sociedade...

Carlos A. Augusto disse...

Se me falares no modo como os Islandeses lidam com as suas crises e com os políticos que as geraram, isso já é outra coisa...!