2011/03/13

Espontaneidade

Foram, quase que aposto, mais do que aqueles que os organizadores modestamente anunciaram ter descido hoje a avenida e foram, certamente, muitos mais do que aqueles que pateticamente a polícia anunciou. Marchavam de forma totalmente desorganizada, mostravam cartazes escritos à mão, cantavam, tocavam, mas não gritavam as palavras de ordem que habitualmente ouvimos nestas iniciativas. Via-se sobretudo gente nova, via-se um número inusitado de carrinhos de bebé, viam-se muitos pais, lado a lado com os seus filhos. Eu estive lá com o meu.
Os sinais habituais deste tipo de acções estiveram ausentes. Não se viu uma única bandeira partidária, não se ouviu uma única palavra de ordem construída nos gabinetes de agit-prop dos partidos.
Percebia-se que estes manifestantes não são frequentadores habituais deste tipo de acções. Desceram a avenida para dizer não a esta governação, a este modelo (as referências ao "modelo" eram frequentes), ao status quo. Diziam não de forma muito determinada, sobretudo pela sua presença. Gritavam "Basta!"
Fizeram tudo isto de forma espontânea (via-se!), sem os rituais habituais destas ocasiões, fizeram-no em número muito significativo. Só não o vê quem não quer. E quem o ignorar comete um enorme lapso.
Quem não ouviu o grito de revolta implícito na saída destes larguíssimos milhares de pessoas, que desceram à rua por todo o país e se manifestaram também junto a embaixadas portuguesas no estrangeiro, sofre de uma surdez absurda e comete um erro fatal.
Mas, cometem também um erro (e um erro grosseiro!) os manifestantes e, sobretudo, os jovens actores directos deste acto, que pensarem que conseguem levar a água ao seu moinho ficando, simplesmente, por aqui, não insistindo, insistindo e insistindo outra vez, e não o fazendo de forma muito organizada. É que, do outro lado está uma máquina totalmente oleada e profissionalizada, a máquina que se apoderou do aparelho de Estado, dos partidos, dos comentadores, uma máquina com imensos interesses a defender, uma máquina alimentada a corrupção e parasitismo de 100 octanas, uma máquina oportunista, uma máquina habituada a praticar a arte de camuflar crimes graves.
Lutar contra esta máquina pressupõe mais do que entusiasmo e justeza de princípios, embora a luta só seja vitoriosa se houver entusiasmo e justeza de princípios.
Não é para desistir, é para insistir!

2 comentários:

Rui Mota disse...

Penso que temos de insistir.
Estamos, como afirmou Adelino Maltês na SICN, num período de transição (ou de não-poder). Já sabemos o que não queremos, não sabemos o que queremos.
De um lado uma direcção sem movimento; do outro, um movimento sem direcção.
É mais do que nunca necessário, um novo regime de relações de poder, assente numa maior comparticipação dos cidadãos (a cidadania), uma maior ética no exercício dos cargos públicos e uma maior transparência da classe política.
Não faltarão os partidos políticos a tentarem "cavalgar a onda" da contestação. Há que estar atento e denunciar as manobras de bastidores, os "iluminados" e os demagogos que vão aparecer a prometer o paraíso na terra.
Cidadania activa, precisa-se!

Carlos A. Augusto disse...

Claro, também não me passaria outra coisa pela cabeça. Mas ouvindo os personagens do "antigo regime" nota-se neles um cada vez mais um desfasamento da realidade.
Hoje ouvia umas figuras a discutir na TSF a reforma do sistema eleitoral. Quase tive um percalço desagradável a rir...
A alteração do sistema é urgente, gritam todos. Mas, não pode vir dos partidos, porque ele não querem perder o terreno que conquistaram, dizia, por exemplo, Marques Mendes. Então, dizia, por exemplo, António Vitorino, tem de vir de fora, uma qualquer "aguilhão" que _obrigue_ os partidos a mudar.
Mas, há movimentos, grupos de reflexão, dizia o Perez Metello... Não interessa! Quem está em condições de espetar o "aguilhão", são os partidos, naturalmente. Não há outra alternativa "democrática"...
Então em que é que ficamos?! Para quando a reforma do sistema eleitoral? Para quando os partidos quiserem, i.e., nunca!
Nunca vi nada tão rasteiro. Não há um que se aguente. É inacreditável como é que deixámos chegar esta gente à fala, como é que atribuímos estatuto a este género de imbecis que bota faladura e "produz" opinião neste país...