2012/11/02

O espirro do operário

A tentação de evocar as semelhanças entre a chamada Restauração da Independência de 1640 e este período triste da história do País é enorme. Há, quando visto pela rama, entre aquela época e os dias que correm, conturbados e desesperantes, alguns pontos de contacto.
O brutal jugo fiscal, o mal estar quase transversal na sociedade e até uma certa "crise dinástica" são argumentos que, aparentemente, podem contribuir para aproximar as épocas. Mas, de facto, os tempos são outros.
Restauração não é refundação. Nem a "dependência," que a acção dos conjurados do século XVII conseguiu contrariar, tem as mesmas características nem a perda de soberania de hoje tem o mesmo significado que a de ontem nem estamos perante os mesmos antecedentes históricos nem, sobretudo, a Merkel é Felipe II.
Um traço inegavelmente comum é a vontade, hoje como ontem, de deitar os traidores pela janela. Acção concretizada em 1640 e com fortíssimas possibilidades de se repetir 372 anos depois. É que quando a reforma do Estado Português é quase literalmente encomendada a uns quaisquer "cámones", como muito bem lembra Alfredo Bruto da Costa, sem que o Estado, que somos todos nós, saiba, chegámos ao ponto em que alguém vai mesmo ter de voar pela janela fora...

Hoje assistia a um interessante documentário sobre a origem da vida na Terra. Falava-se sobre a possibilidade, real, de ela resultar da "visita" de uns quaisquer organismos primários provenientes de Marte. Formas simples de vida como bactérias, poderão ter atravessado o espaço a bordo de meteoritos marcianos e aqui poderão ter evoluido para formas de vida mais complexas.
Um dos astronautas que pisou a Lua durante a missão Apollo 12 contava no documentário, para ilustrar este argumento, que uma das tarefas que teve foi a de resgatar uma câmara de video de uma missão Apollo anterior. O recipiente que continha essa câmara estava revestido de poliestireno extrudido, vulgarmente conhecido por esferovite. Dizia ele que o operário encarregado de montar a câmara naquele recipiente estaria constipado e teria espirrado para cima dele enquanto executava o seu trabalho. O material foi depois observado em Terra e verificou-se que as bactérias lançadas pelo espirro do operário —disfarçadas entre as partículas do polímero e que, portanto, não se conseguiam observar logo após a encomenda apolínea ter sido devolvida ao remetente— voltaram subitamente a desenvolver-se, assim que as condições ambientais o permitiram.
As bactérias teriam permanecido completamente inertes durante os anos que passaram entre estas duas missões Apollo, em condições inimagináveis, viajaram de volta, com dramáticas saídas e entradas na atmosfera, e, assim que surgiram factores ambientais favoráveis, retomaram o seu processo de multiplicação.

A vida ensina-nos que a vida segue sempre o seu curso. Um espirro, uma simples bactéria que teima em resistir, um Miguel de Vasconcelos jogado pela janela fora e voltamos rapidamente à normalidade que isto já começa a chatear, mesmo, muito a sério.

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