2013/03/31

Que os banqueiros nunca descubram o negócio dos colchões!


Há já algum tempo, estarão recordados, houve uma polémica em Portugal por causa do pagamento de pensões através de crédito em conta bancária. O governo de então instituiu essa obrigatoriedade para obviar o problema dos títulos de pagamento roubados e das pensões indevidamente levantadas.
Os bancos responderam de imediato cobrando custos de manutenção aos clientes que tendo sido obrigados a abrir conta para poderem receber a sua pensão, se viram, de repente, despojados de uma parte, para eles, muito significativa da sua magra remuneração em virtude do saldo não atingir o mínimo que os isentaria do pagamento desses custos. O abuso (que ilustra na perfeição o que é a banca comercial, qual a sua verdadeira natureza...) foi imediatamente corrigido, com o governo (por acaso, o de José Sócrates...) a instituir a isenção de custos de manutenção para estas contas e a obrigar os bancos a devolver as verbas que tivessem sido, entretanto, cobradas.
Vem isto a propósito das declarações do senhor Jeroen Dijsselbloem, ministro holandês das finanças, que, pelo que percebi, não mereceram a atenção que suscitou a entrevista de José Sócrates.
Disse ele, em tom indisfarçavelmente ansioso, que no futuro terão de ser os bancos, os seus accionistas e depositantes sem seguro de depósito, a assumir os riscos de financiarem os bancos com o seu dinheiro. O alerta foi dirigido a quem, na generalidade, confia o seu dinheiro aos bancos. Compreender o risco e agir de forma adequada seria assim o caminho para termos uma banca saudável, disse ele, mais palavra menos palavra. Os Estados, rematou, não poderão continuar a proteger a banca cada vez que esta se estampa em operações ruinosas. Disse isto e desdisse-o logo de seguida, tal terá sido o efeito que esta deflagração ocasionou no território do euro, embora sem, na verdade, se desdizer...
Dificilmente veremos os milhares e milhares de trabalhadores, reformados e pensionistas que recebem, se calhar contra vontade, as remunerações a que têm direito através do sistema bancário como “investidores” na banca. Mas, já se percebeu quem são sempre as primeiras vítimas das crises dos bancos. Dir-me-ão: mas, não, não é a estes que o senhor Dijsselbloem se dirige. Pois não, mas não estão livres deste problema e serão, seguramente, as suas primeiras vítimas.
É que, reparem, desta triste criatura não ouvimos nem uma palavra contra os banqueiros, financeiros e accionistas que cometem crimes contra a sociedade sem que alguém os detenha; nem um sinal de que os responsáveis pela catástrofe colectiva para que os povos europeus estão a ser empurrados serão duramente castigados; nem uma palavra sobre a obrigação de apertar o controlo da actividade bancária. Não! Pelo contrário: este palhaço prevê ipso facto e aceita como normal que esta situação volte a ocorrer. Quem pagará então as novas crises? Enquanto houver depósitos nos bancos e ordenados para penhorar, taxar e roubar, pelo que diz a Lei de Dijsselbloem, não serão os banqueiros.
Imaginem um exemplo com os serviços de águas. Imaginem que o fornecimento da água era interrompido porque os dirigentes destes serviços se abotoavam com a água toda, desviando-a para os seus depósitos particulares. Imaginem que, na falta generalizada da água, os consumidores eram obrigados a ir de baldinho na mão buscar água às nascentes para encher os depósitos públicos. Imaginem agora obrigá-los a pagar essa água, como se um serviço normal a tivesse fornecido e imaginem que por cada balde carregado iriam mais tarde obrigá-los ainda a deixar parte dessa água no depósito dos directores. É o que se está a passar com a banca. Andamos todos a deitar baldinhos de água nos depósitos dos banqueiros.
A “chiprelhada” irá seguramente espalhar-se a outros países e a solução que parece desenhar-se para a remediar irá ser sempre a que começou por ser tentada em Chipre, se a seita louca que tomou conta dos assuntos de estado na Europa não for corrida e se os seus povos não abrirem os olhos. A insegurança que os cidadãos europeus sentem e sua a falta de confiança nos políticos e instituições europeias nunca foram tão grandes. Aquele cavalheiro Schäuble (que parece estranhamente saído do filme Dr. Strangelove), aquele mesmo de quem Silva Peneda diz que “quer despertar fantasmas de guerra,” já veio, com o beneplácito do BCE, apoiar Dijsselbloem, pois então. Para que não restem dúvidas sobre quem anda a defender os interesses de quem e para que todos nós saiamos desta situação menos apreensivos e mais confiantes...
Enquanto assistimos, frustrados, a episódios como este da dupla Schäuble-Dijsselbloem, enquanto vamos vendo os indicadores europeus cairem para níveis inimagináveis, que trazem ecos da Europa pós-guerra a este século XXI, cresce a certeza de que nos espera o dilúvio se não pararmos estes dementes. Já se viu que nenhum ideal de democracia e justiça fará parar esta gente.
Entretanto, o colchão, esse eterno e sempre fiável conceito primordial da ciência económica, é, de momento, o único "produto financeiro" em que podemos verdadeiramente confiar.

Nota:
Alguns links interessantes:
Disciplina bancária, mera ilusão de ótica! 
O dinheiro como dívida

1 comentário:

Rui Mota disse...

Para além do mais: "com colchões espuma, você dá duas que parecem uma..."