2013/10/16

Lanzmann na Cinemateca


No âmbito da 14ª Festa do Cinema Francês, a decorrer em diversas cidades do país, a Cinemateca Portuguesa exibe esta semana uma retrospectiva do cineasta Claude Lanzmann. Sobre este polémico, mas incontornável jornalista e documentarista francês de origem judia, que escolheu a denúncia do holocausto como missão de vida, já quase tudo foi dito. Restam os filmes, pela primeira vez mostrados no seu conjunto em Portugal, uma oportunidade e um privilégio para os cinéfilos portugueses que ainda não conheçam os documentários de Lanzmann. Se mais razões não houvesse, esta era suficiente para justificar a existência da Cinemateca, que está mais uma vez de parabéns por esta iniciativa, a qual contou com a presença do realizador na apresentação (estreia europeia!) do seu mais recente filme “ Le dernier des injustes” (O último dos injustos).
Construído a partir de uma entrevista de 1975 com Benjamin Murmelstein (o último “Ancião dos Judeus” no gueto de Theresienstadt, perto de Praga) o filme foi completado 40 anos mais tarde, com imagens actuais da caserna de Theresien, local escolhidos pelos nazis para construírem um “gueto modelo”, onde viviam artistas, intelectuais e cientistas judeus, num cenário artificial que procurava ocultar os crimes cometidos noutros campos de concentração e de extermínio.
É um documento avassalador, como todos os que já vimos do mesmo realizador, não só pela temática, mas pela abordagem e extensão (4horas), com que Lanzmann disseca o objecto da sua investigação, não deixando pedra sobre pedra sobre este negro capítulo da história recente da humanidade. Resta uma questão, levantada por uma espectadora no debate após a projecção do filme: porque demorou Lanzmann 40 anos a fazer este filme e qual o verdadeiro papel de Murmelstein, condenado e preso por colaboracionismo que, à data da entrevista, se recusava a voltar a Israel...
Uma pergunta pertinente, à qual o realizador não se furtou, argumentando que o filme continha todas as respostas e que ele estava convencido da inocência de Murmelstein (o que de resto é visível na última imagem do documentário, quando ambos, abraçados, caminham pelas ruas de Roma). Um homem amargurado e polémico, o documentarista francês que, independentemente da opinião que dele possamos ter, não hesita em tomar partido numa questão que o absorve e sobre a qual parece querer deixar o testemunho final.
A retrospectiva dedicada a Claude Lanzmann prossegue esta semana e terminará no próximo sábado com a exibição integral de “Shoah” (9horas de projecção), consensualmente considerada a sua obra-prima e o documentário definitivo sobre o Holocausto. No âmbito deste ciclo, foi ainda reeditada uma DVD-box, que inclui “Shoah” e “Sobibor, 14 de Outubro”, com um total de 650 minutos de imagens.
Um documento imperdível.

2 comentários:

Carmo da Rosa disse...

Recomendo vivamente o documentário Shoah, que já vi há muitos anos e é realmente impressionante, para quem quiser perceber até onde vai a perversidade dos socialistas-nacionais (nazis, para os mais íntimos)…

rui mota disse...

Como bem explicou Hannah Arendt em "A banalidade do mal", o "mal" (leia-se a perversidade) é inerente ao ser humano e não às ideologias. O "nacional-socialismo" era uma corrente político-ideológica. O nazismo, que é uma coisa diferente, é uma prática (a da perversidade).
Por alguma razão, Lanzmann utiliza sempre o termo "nazismo" nos seus filmes. Ele deve saber do que está a falar...