2013/11/07

A Constituição, esse “papão”...

As afirmações, ontem produzidas pelo ministro Aguiar-Branco, sobre a necessidade de rever a actual Constituição, argumentando que vivemos num  “estado totalitário” (!?), só não espanta por conhecermos bem o personagem.
Contudo, não nos devemos admirar.
Durão Barroso, ainda que indirectamente, disse o mesmo em Bruxelas relativamente ao Tribunal Constitucional e, na passada semana, Paulo Portas apresentou o famigerado Plano de Reforma do Estado, que mais não é do que uma tentativa canhestra de alterar as relações sociais existentes, coisa que a actual Constituição assegura. De resto, a tentativa de alterar a Constituição já tinha sido expressa no livro-programa de Passos Coelho, apresentado durante a campanha eleitoral de 2011, objectivo que só não foi atingido ainda por falta de maioria qualificada para poder fazê-lo.
Ou seja, desde que chegou ao poder, a direita vem tentando, umas vezes de “pantufas”, outras de “botas cardadas”, modificar o texto da Constituição que, interpretado pelo Tribunal Constitucional, tem muitas vezes impedido o actual governo de alterar completamente o modelo económico em que a nossa sociedade se baseia e que, nas suas grandes linhas, foi rectificado em sucessivas alterações à Constituição, todas elas posteriores a 1976.
Como muito bem explicou Jorge Miranda, “pai" da actual Constituição, e portanto insuspeito nesta matéria, o texto da actual Lei foi exactamente aprovado contra as tentativas totalitárias de 1975 e não é impeditivo de reformas consideradas necessárias para a sociedade portuguesa, assim o legislador o queira...
O que se está a passar é muito mais grave do que as afirmações de direitolas reaccionários, como Aguiar-Branco e congéneres, fazem supor. Trata-se, no fundo, de modificar as relações económicas que têm prevalecido na Europa do Estado Social e que a recente crise, provocada pela desregulação dos mercados financeiros, está a alterar profundamente em todo o Mundo Ocidental. Ou seja, há uma clara estratégia internacional para alterar o paradigma politico europeu vigente (assente numa economia de mercado supervisionada pelo estado e onde os cidadãos, trabalhadores ou não, estão inseridos num sistema que protege o emprego, a inclusão e a solidariedade social). Os ataques a este modelo, desencadeados um pouco por toda a Europa (veja-se o caso de países relativamente ricos, como a França, a Itália ou a Espanha) mais não são do que tentativas desesperadas do capital financeiro para desregular os mercados, com a conivência dos principais governos europeus, Alemanha à cabeça.
Em Portugal, como de resto noutros países periféricos e de economias mais débeis, já foi atingida a fase de intervenção directa, estádio último do empobrecimento gradual que nos conduzirá à dependência futura, chame-se esta “resgate” ou “programa cautelar”, eufemismos da “troika” que mais não significam do que alteração do sistema democrático vigente. Este é o grande perigo e o grande desafio da sociedade portuguesa, pois dele depende o nosso futuro como nação  independente. Combatê-lo, para além de entendê-lo, é hoje a tarefa prioritária de todas as forças que se reclamam de democratas.

2 comentários:

Carlos A. Augusto disse...

"Contra a tentação do estado social totalitário", acrescenta o Branco. Um pândego este ministro.

Tulip disse...

é.., ele é muito engraçado, uma ternura mesmo este Branco. Acho que lhe fazia bem um banho de ortigas