Os acontecimentos de ontem deixaram-me num incontrolável estado de choque e com um profundo sentimento de impotência. Liquidar 12 pessoas, entrando-lhes pela casa dentro, desta forma brutal e programada, liquidar pessoas cujo "crime" foi produzirem e publicarem uns desenhos, é algo que ultrapassa os prodígios da mais fértil imaginação. Por outro lado, parece que ninguém está a salvo desta situações. Seja quem for, onde for, em França ou aqui em Portugal. Nem os próprios autores deste crime reles.
Cometido o crime, ninguém parece ser capaz de nos poder defender de uma situação semelhante no futuro. Os guardiães das liberdades e garantias, o Estado e a Justiça que nós pagamos e a "austeridade" faz encolher ainda mais, estão, eles também, envolvidos num jogo ambíguo que continuamos a não conseguir controlar ou, relativamente ao qual, escolhemos fazer vista grossa.
Solução: mais democracia! O que temos hoje é uma sociedade que a esqueceu. Uma sociedade que se compraz em aceitar as "recomendações" da televisão para depois depositar um papelinho num caixote de 4 em 4 anos (se se der a esse trabalho; cada vez o faz menos) é uma sociedade que está doente, com o sistema imunitário em baixo e, portanto, sujeita a ataques como o que ontem aconteceu contra o Charlie Hebdo. É a fraqueza ou a falta de democracia que atentam contra a liberdade de expressão, que pode vir a degenerar num ataque contra a própria liberdade de pensamento. As tropelias contra a democracia não estão só a ser cometidas em África, no Próximo ou no Médio Oriente. Estão a ser cometidas aqui, por nós, contra nós próprios.
Ao contrário do que pensam estes assassinos, um desenho não vai mudar o mundo. Nunca mudou. Os desenhos reflectem mudanças. Decidir matar o desenhador por retratar uma determinada situação é um crime tão grosseiro como pensar que foi o desenho provocou a situação retratada. Um erro que, de resto, nenhum dos desenhadores cometeu. Jean Cabut, um dos desenhadores assassinados ontem, sabia-o bem. Ainda não há um mês, dizia numa entrevista: "nós não passamos de humoristas, estamos aqui para fazer rir. Mas, no final, não servimos para grande coisa."
Neste sentido, está já seguramente em curso uma mudança que os desenhos irão certamente reflectir em breve. Estes assassinos não impõem medo a quem quer que seja, somos nós que começamos por ter medo. Temos medo da democracia! É este medo que leva os assassinos a matar. É este medo que leva os franceses, todos nós, a ter medo de que isto se possa repetir. É necessário deixar de ter medo da democracia. Essa é a mudança necessária. Mas, não são os desenhos que a vão determinar, foram os tiros.
3 comentários:
O atentado de ontem, como as "réplicas" de hoje (de ambos os lados) eram previsíveis. Entre a violência dos fanáticos do Jihad e a xenofobia da FN, que venha o diabo e escolha. Ambas são reflexo do mesmo ódio à liberdade, à democracia e ao estado de direito. E, já agora, ao "outro" o diferente. No fundo, são faces da mesma moeda, extremista e fascista de encarar a realidade. Estamos a assistir a uma escalada da violência que irá conduzir, inevitavelmente, a um maior controlo das populações (censura, repressão) e a estados menos democráticos. As chamadas "democracias musculadas". É isso, precisamente que estas forças extremistas querem: um estado mais repressivo que justifique a sua existência: para a FN, votos dos franceses que querem os estrangeiros fora de França; para os Jihadistas, novos membros para a sua causa, segundo o princípio: quanto pior, melhor. Já vimos este filme, no passado e em tempos de crise social, económica e de valores, que voltam sempre ao de cima, quando não há antídotos para combatê-los.
Um depoimento de Salman Rushdie a propósito da barbárie na redacção do Charlie Hebdo.
Caro Carlos Augusto,
Escrever um texto com 470 palavras sobre os atentados de Paris sem mencionar uma vez a palavra Islão é obra... Como diria o Guerra Junqueiro sobre a pila do Soriano: - "uma porra assim merece um poema'.
Não vou escrever um poema mas publicar um post.
Enviar um comentário