2018/08/28

Via Única

 foto Matt Dunham/AP
Sempre viajei e gostei de andar de comboio.
Porque é mais rápido, mais cómodo e menos poluente.
Nas viagens de médio-curso, porque compensa, em preço e tempo, o avião.
Nas viagens de longo-curso, porque é possível trabalhar, ir ao bar ou comer uma refeição.
Em muitos percursos, porque é ainda possível dormir num beliche-cama, com toda a comodidade.
Finalmente, foi nos comboios que estabeleci o maior número de contactos e amizades em viagens.
Ou seja, todas as vantagens e poucas desvantagens, em relação a outros meios de transporte.
De há uns anos a esta parte, graças à condição de aposentado, passei a usufruir de um desconto de 50% em todas as viagens internas e, caso possua um cartão nacional, de regalias similares noutros países europeus. É o caso da vizinha Espanha, mas há outros, com tarifas vantajosas.
Por razões que não vêm à colação, tenho viajado com relativa frequência na linha do Norte (Lisboa-Porto-Braga) e na linha do Sul (Lisboa-Faro). Mais regularmente no Intercidades e, com alguma frequência, no Alfa-Pendular.
E o que tenho observado, de há uns anos a esta parte, leva-me a concluir que as condições da ferrovia, desde o material circulante às estruturas, passando pelo pessoal disponível e atendimento, são hoje bastante piores do que há uma década atrás.
Agora, que toda a gente parece ter descoberto o estado calamitoso em que se encontra a maior parte das vias férreas (o jornal "Público" publicou, por estes dias, uma série dedicada ao caos existente nas linhas mais necessitadas de intervenção), sucedem-se as acusações ao governo actual (em função desde 2015) ou, da parte deste, ao governo anterior (2011-2015). No essencial, as críticas da oposição, atribuem a situação actual da ferroviária à política de "cativações" do Ministério das Finanças (que impedem o investimento do estado neste sector); enquanto o governo, justifica o mau estado da ferrovia, com a herança encontrada no sector, após os anos de austeridade a que o país esteve sujeito. Ou seja, por um lado o estado não investe, porque cativa o excedente-primário, para manter os compromissos com Bruxelas; por outro, sem investimento, a situação diária e os serviços vão continuar a degradar-se, pois deixaram de poder ser garantidos. 
Neste momento, parte das composições não são sequer utilizadas por falta de manutenção. Não existe manutenção suficiente, por falta de pessoal qualificado que, entretanto, foi passando à reforma e que não pode ser substituído sem haver concursos públicos e a necessária formação. Tudo isto leva tempo (anos) e, sem composições operacionais, a única forma de assegurar os serviços é reduzir a oferta, por uma questão de segurança. Entretanto, o governo anunciou a compra de novos comboios (para substituir composições com 50 e mais anos), o que obriga a concursos públicos internacionais, dado que Portugal, após o encerramento da Sorefame, deixou de construir material ferroviário. Por enquanto, a solução parece ser o aluguer de comboios a Espanha (Renfe), como aconteceu no passado. Acontece, que a Renfe já veio declarar que não dispõe de comboios suficientes para o próprio mercado, pelo que não se vislumbram soluções a curto prazo. Um ciclo vicioso.
Tudo isto podia ter sido previsto e evitado, caso Portugal tivesse optado - a exemplo da maior parte dos países europeus desenvolvidos - pela ferrovia em vez da rodovia, onde foram feitos os maiores investimentos, desde a adesão do país, à então CEE. Só no consulado de Cavaco (1985-1995), foram encerrados 1000km de ferrovia, tendência que continuou nos governos de Guterres (1995-2001) e Sócrates (2005-2011). Ao mesmo tempo foram construídos mais de 2000km de auto-estradas! Todos estes governos, sem excepção, encheram o país de auto-estradas (muitas delas, hoje, sub-aproveitadas) onde se transita pagando taxas obscenas, enquanto deixaram de investir na ferrovia, um transporte com futuro. Obviamente, estamos aqui em presença de um modelo de desenvolvimento errado, iniciado nos idos anos oitenta e cuja herança continuamos, hoje, a pagar. Resta saber se por incompetência, se por dolo. Provavelmente, por ambas as coisas.  

2 comentários:

Carlos A. Augusto disse...

Sinal de "pato-bravice". E quem foi o rei dos patos bravos que tomou esta opção, quem foi?

Rui Mota disse...

O Cavaco, claro (só no mandato dele, foram encerrados mais de 900km de via).