2018/11/16

Sevilha: de Murillo ao Flamenco, passando por Salvador Sobral

Que Sevilha é uma festa, já sabíamos. Quando não é, arranja-se sempre algo para festejar.
A última semana foi, neste capítulo, pródiga em acontecimentos. Sempre culturais, uns mais clássicos que outros, mas todos de inegável qualidade.
Comecemos pelos clássicos, aqueles que resistem ao tempo, critério por excelência para aferir da qualidade de uma obra de arte.
Passam, este ano, 400 anos sobre a data de nascimento de Murillo (1618-1682), um dos mais importantes pintores espanhóis, nascido e criado na cidade, onde viveu a maior parte da vida e viria a falecer. Como seria expectável, Sevilha engalanou-se e organizou eventos especiais à volta da sua obra, centrados no Museu das Belas-Artes (o segundo mais importante de toda a Espanha, a seguir ao Prado) e na sala de exposições temporárias do Hospital de La Santa Caridad, onde se encontram, em permanência, alguns dos retábulos mais conhecidos da obra do pintor. Em ambos os locais, podem agora ser admirados muitos dos seus quadros, restaurados para a ocasião, um trabalho que pode ser visto em filmes especialmente produzidos para as exposições.
Paralelamente, têm lugar na cidade, inúmeros colóquios e conferências sobre a obra de Murillo, com a participação de "experts" nacionais e internacionais, para além de diversas publicações especializadas, entretanto editadas. Para os turistas mais interessados, foi criado um percurso pedonal onde, para além dos citados museus, pode ser vista  casa onde nasceu o pintor, no Bairro de Santa Cruz e a pia baptismal, na igreja da Madalena, onde foi baptizado.
Um deslumbramento, a obra deste pintor barroco, onde se destacam as obras religiosas, duas das quais, "La multiplicación de los panes y los peces" e "Moisés haciendo brotar el agua de la roca", encomendadas para decorar a igreja de San Jorge (no Hospital de La Santa Caridad), podem temporariamente ser vistas à altura do chão, antes de regressarem ao tecto da igreja da qual fazem parte, depois de terem sido sujeitas a um cuidado trabalho de restauração. Imperdível.

Estar em Sevilha, sem ver Flamenco, equivale a estar em Roma e não ver o Papa. Lá fomos, ver um dos "papas" actuais da arte, o "cantaor" Arcángel, certamente um dos flamencos mais interessantes da nova geração, que veio apresentar em Sevilha o seu último álbum, "Al este del cante", um trabalho de fusão, onde participa o Coro das Novas Vozes Búlgaras, sob a direcção do maestro Georgi Petkvov. Excelente concerto, no grande auditório da Feira Fibes (onde se realizaram as quatro edições da "Womex") ainda que os principais convidados do álbum (Vicente Amigo, Lola Montoya, etc.) não tivessem estado em palco. Com mais de 15 anos de carreira profissional e diversos álbuns no activo, Arcángel é hoje um artista maduro, cuja voz e timbre únicos, ganham nova expressão, quando fundidas com as vozes celestiais deste coro feminino búlgaro. Excelente.
A actuar igualmente na cidade, estava Salvador Sobral, na sua primeira apresentação em Sevilha, após o celebrado sucesso na Eurovisão. Sobral, que goza de grande popularidade na Andaluzia, onde viveu 3 anos, tinha a sala do teatro de La Maestranza quase cheia, com mais de 1500 espectadores a aplaudi-lo durante todo o concerto. Um programa, baseado no seu primeiro álbum "Excuse me", com incursões no jazz, bossa nova e boleros, cantados em excelente castelhano.
Não faltou o incontornável "Amar pelos dois", compartilhado em coro pela assistência, para além de algumas "inside jokes" no dialecto local, que arrancaram sonoras gargalhadas à plateia. A crítica local (ABC e Notícias de Sevilha) adorou e não poupou os elogios ao luso cantor, o que abre boas perspectivas para futuros concertos na vizinha Espanha.
Uma última nota, para a actuação do grupo de teatro do Chapitô (Lisboa), em digressão pela província andaluza, que tivemos o privilégio de ver no auditório de S. José de Rinconada, uma vila nos arredores de Sevilha. O grupo apresentou a sua última produção "Electra", baseado no clássico drama grego, agora em tons de comédia, que arrancaram aplausos aos espectadores presentes (maioritariamente alunos de artes dramáticas) num espectáculo de grande qualidade e rigor técnico, onde não faltou o humor, desta vez em versão castelhana.

Sem comentários: