2019/04/16

A ver passar os comboios...


Sábado, 13 de Abril. Aguardo, na estação de Sete-Rios, pelo "Intercidades" das 10.04h, que faz a ligação entre Lisboa e Évora. São 9.45h. da manhã e, enquanto espero, observo os passageiros que, noutras plataformas, seguem as indicações horárias.  Através dos altifalantes, a voz de uma funcionária pede desculpa pelo atraso de um comboio, com origem em Sintra, que devia ter dado entrada minutos antes. Chegará com 8 minutos de atraso. Passam alguns minutos. A mesma voz anuncia, mais tarde, que o comboio para Setúbal, com origem na Gare do Oriente, chegará com dez minutos de atraso. Do facto, pede desculpa. Não há mais anúncios. O meu comboio chega à tabela.
Os primeiros 30 minutos da viagem decorrem sem incidentes. Em Pinhal Novo, a primeira paragem prolongada. Vejo o maquinista atravessar a carruagem em passo acelerado. Passam 10 minutos. O maquinista volta a passar, agora a correr. Através dos altifalantes, uma voz anuncia que "devido a problemas técnicos" o comboio, a partir dali, não poderá ultrapassar os 50km horários...
Preparo-me para o pior e telefono para comunicar que chegarei atrasado. Quanto tempo, não sei.
Os passageiros começam a dar algum sinal de inquietação. Uma senhora, acompanhada pelo pai, pergunta-me se chegará a tempo de apanhar a ligação, em Casa Branca, que a conduzirá a Cuba...
Não faço a mínima ideia, mas vou dizendo que poderá sempre reclamar e exigir o dinheiro do bilhete de volta. É o que vou fazer. Gera-se animada discussão na carruagem. Há mais queixosos. Todos portugueses. Os estrangeiros riem-se e perguntam-nos o que se passa... 
São 11.26 da manhã (hora prevista para chegar a Évora) e ainda não chegámos a Casa Branca...
Novo telefonema, a avisar que devo chegar com mais de uma hora de atraso. Em Casa Branca, metade dos passageiros sai para apanhar a ligação para Beja. Debalde. O comboio já tinha partido...
São 14.10h. quando chego a Évora. Com 3 horas de atraso, em relação à hora prevista, num percurso que demora habitualmente 1.20h a cumprir.
Dirijo-me ao chefe da estação para expor a situação. Bilheteira encerrada (hora de almoço). No bar, informam-me que "ali, não há chefes!". Fico mais descansado. Vou almoçar com o amigo, que teve a gentileza de esperar.
Ás 15h. volto à estação. A bilheteira está aberta. Entregam-me um formulário para pedir a devolução do bilhete. Como não tenho o comigo o Número Fiscal, não posso entregar o formulário. O funcionário acalma-me: "Pode entregá-lo em qualquer estação. Não há pressa. A resposta pode durar um ano...".
Peço o "livro de reclamações" e começo a escrever, enquanto os funcionários da estação olham para mim, com cara de quem presencia um acto inédito. Aproveito para criticar o estado dos comboios em Portugal, tema recorrente de muitas críticas e reclamações. Encolhem os ombros e concordam: "pois, só investiram no betão e deixaram a ferrovia ao abandono".
É verdade. Releio alguns artigos, dedicados ao tema, publicados na imprensa portuguesa:
"De 20 projectos do plano ferroviário nacional, apresentado por Pedro Marques (ex-ministro dos transportes), 8 já deviam estar concluídos e 11 deviam estar em execução. Mas, só há 6 em obra", escreveu Carlos Cipriano, especialista em ferrovia, no "Público". Estávamos em 31 de Janeiro deste ano.
Mais à frente: "Dos 2,7 mil milhões de euros anunciados para modernizar os caminhos-de-ferro portugueses até 2020, só há investimentos em curso no valor de 158 milhões de euros, o que dá uma taxa de execução de 7%. Mas, se se retirar os 675 milhões estimados para a nova linha Aveiro-Mangualde, que já foi chumbada duas vezes pela Comissão Europeia por falta de rentabilidade, a Ferrovia 2020 reduz-se a 2 mil milhões de euros. Ainda assim, só 8,8% está em execução.
(...) O Ferrovia 2020 previa intervir em 1193 quilómetros de via férrea, dos quais 214 seria construção de linha nova e 979 alvo de modernização. Destes ultimos, só 166 estão a ser modernizados. Da linha nova, zero. Entre os investimentos mais importantes está o célebre corredor Sines-Badajoz, que implica a construção de linha Évora-Elvas, a qual deveria ter início em Janeiro de 2018, para ficar concluída em Setembro de deste ano, mas ainda não houve adjudicação" (ibidem).
A que se deve tal situação?
Com o argumento de que o interior estava despovoado e a ferrovia não era rentável, cancelaram grande parte dos comboios. Com o encerramento das vias (mais de 1000 quilómetros) e o consequente abate de comboios (muitos foram vendidos para a Argentina, por exemplo) deixaram de ser fabricadas carruagens e automotoras  em Portugal e o número de técnicos foi reduzido. As oficinas fecharam e não há especialistas em quantidade para a manutenção dos comboios em funcionamento. As composições existentes têm, em média, mais de 40 anos de idade e, desde 1974, que não há investimentos estruturais no caminho de ferro. A excepção, é o Alfa-Pendular (10 composições) comprados à Fiat italiana, nos anos noventa.
"Nas últimas três décadas, as linhas de caminho de ferro, encolheram cerca de 30%, enquanto a rede rodoviária, multiplicou por nove a sua dimensão e atingiu em 2017 uma extensão total de 66% superior à da rede ferroviária. Não surpreende: entre 1999 e 2017 o investimento na rodovia foi de 19,8 mil milhões de euros, contra 6,1 mil milhões aplicados na ferrovia" (Cipriano, idem).
Grande parte das composições em circulação está "presas por arames" e, por razões de segurança, foram suprimidos, só este ano, mais de 1100 comboios. Trás-os-Montes e o Alentejo, foram as regiões mais prejudicadas.
"O desastre da ferrovia é uma das falhas mais nítidas da gestão de infra-estruturas por parte do Governo. O estado deplorável das linhas ou do material circulante resulta de um longo processo de abandono no qual todos os governos das últimas décadas, têm responsabilidade", acusa Manuel Carvalho, director do "Público", em editorial dedicado a este tema. Não podia estar mais de acordo. Enquanto espero pela resposta da CP, vou continuar sentado...    

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