2019/10/20

Catalunha: ponto de não-retorno?

Na Catalunha, a crise política atingiu (novo) ponto alto na semana que hoje termina.
Particularmente, a noite de sexta para sábado, foi de violência extrema, com centenas de feridos, entre as forças policiais e os manifestantes, para além dos presos, calculados em mais de uma centena. Só na cidade de Barcelona, os prejuízos causados pela destruição foram de mais de 2 milhões de euros. Também nas principais cidades catalãs, como Tarragona, Lleida ou Vic, as manifestações não foram menores. Em dia de greve geral na Catalunha, a marcha dos catalães independentistas (em direcção a Barcelona) atingiu mais de 525.000 participantes, a acreditar nos números policiais.
Nada de novo, numa das regiões mais agitadas do continente europeu que, ciclicamente, manifesta o seu descontentamento contra o poder centralista de Madrid e defende mais autonomia (independência?) do território catalão.
É assim, pelo menos, desde o século XVII, quando Portugal (re)conquistou a sua independência a Espanha, à custa do esmagamento das pretensões catalãs, que Filipe III temia perder para o rei de França, aliado daquele povo espanhol. Podia ter sido ao contrário, caso a coroa espanhola tivesse virado as suas atenções para Portugal e a Catalunha se tivesse tornado uma nação independente, como sabemos...
Durante os meus anos de exílio, trabalhei com diversos catalães (alguns refugiados da ditadura fraquista) e todos me lembravam este facto, sempre em sãos convívios de solidariedade ibérica. Nunca me esquecerei deles e, quanto mais não fosse, só por isso, sinto uma "dívida" e simpatia pela luta dos povo catalão que nunca disfarcei. Também sei que o sentimento independentista na região, não é geral. A sociedade catalã (7 milhões de habitantes) está profundamente dividida quanto a esta questão e, a acreditar nas últimas sondagens (datadas de Julho), se houvesse um referendo oficial, a maioria da população (53%), seria contra a independência. A questão, é que nunca houve um referendo oficial e a constituição espanhola (datada de 1978) não o permite. Seria necessário alterar a constituição, o que obriga a uma maioria de 2/3 no Parlamento, uma fasquia até agora impossível de obter. Felipe Gonzáles (PSOE) não o conseguiu na década pós-franquista, quando a Espanha estava mais focada em consolidar a jovem democracia e em aderir ao Mercado Comum; Aznar, na linha franquista e conservadora que sempre dominou o PP,  nem de tal queria ouvir falar e a última tentativa de conceder uma maior autonomia à Catalunha (que não a independência) data de 2007, quando Zapatero iniciou conversações e fez propostas nesse sentido. Nos governos de Rajoy, a questão voltou à "estaca zero" e, em 2010, quando as exigências voltaram às ruas catalãs, as condições impostas pelo PP foram tantas (42 artigos da Constituição) que tornaram impossíveis quaisquer desbloqueamentos da situação. Nos últimos dez anos, com altos e baixos, as contestações a Madrid não têm diminuído. Destas, o último acto (falhado) foi o referendo de 1 de Outubro de 2017. A partir dai, a história é conhecida: reacção autoritária de Rajoy, que accionou o famigerado artigo 155 (retirando o controlo da Catalunha ao governo regional) e a repressão em massa, que se saldou por centenas de prisões e julgamentos dos principais responsáveis pelo acto de desobediência civil contra o poder central. Alguns desses responsáveis (Puidgemont, etc...) conseguiram fugir, exilando-se em diversos países europeus, tendo sido julgados à revelia. Outros governantes (12) permaneceram em Espanha e continuam presos. Foram estes 12 políticos presos que, esta semana, foram condenados a penas, que vão de 9 a 13 anos de prisão. Esta é a causa próxima das últimas manifestações e da violência verificadas esta semana na Catalunha, tudo indicando que vão continuar.
Perante este quadro, que alguns já chamam de pré-guerra civil, o governo minoritário de Sanchez (PSOE), actualmente em campanha para ganhar as próximas eleições de 10 de Novembro, adoptou uma posição cautelosa e formal, apoiando a decisão do Tribunal Supremo e distanciando-se assim das pretensões independentistas. Sanchez pensa, desta forma, agradar ao Rei e conter o desgaste à direita, onde o PP, os Ciudadanos e o VOX, são a favor da unidade espanhola e estão a subir nas sondagens. À esquerda, o Podemos ensaiou uma posição conciliadora, ao declarar que a decisão judicial não resolve o problema (que é político), enquanto os pequenos partidos, das Baleares ao País Basco, para não falar dos catalães, querem uma solução mais democrática e descentralizadora. Pelo menos, o direito a referendar esta questão, que seria uma concessão (não isenta de perigos) às pretensões das regiões autónomas.
Um impasse total, numa questão que tem séculos e que não parece solucionável com os actuais actores políticos. Para bem da Catalunha, de Espanha, e da própria Europa, criatividade precisa-se, agora que os movimentos nacionalistas e xenófobos ganham terreno, numa União Europeia desprestigiada e onde o apelo ao proteccionismo é transversal a mais países. 

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