2020/03/24

Duas semanas noutra cidade (2): isolamento, rotinas e notícias


Em dias de quarentena forçada, continuamos à espera de notícias do consulado de Sevilha, sobre um eventual repatriamento colectivo, organizado pelo governo português a partir da capital andaluza. 
Como era expectável, o governo espanhol decidiu prolongar o período inicial da quarentena, de 15 para 30 dias. O governo português fez o mesmo, o que de resto estava implícito no "estado de emergência" decretado no passado 15 de Março. A quarentena está para durar, pelo menos até dia 11 de Abril. A circulação, entre os dois países, foi drasticamente limitada (menos 99% de tráfico terrestre, segundo a imprensa espanhola) e as punições para os infractores podem atingir multas na ordem dos milhares de euros. As medidas mais drásticas da União Europeia, segundo Sánchez, o primeiro-ministro. 
Outros países tomaram medidas similares (o que, em si, é compreensível) e não tardará muito que a população europeia (quiçás mundial) fique confinada em casa, esperando pelo abrandamento da "crise sanitária". Se a "coisa" resultar, o confinamento pode ser uma tentação para ditadores em potência. Não por acaso, foram os partidos de direita extrema (Chega, CDS, etc...) os primeiros a exigir o "estado de emergência", apesar de não saber muito bem o que fazer com ele. Para já, os populistas estão desaparecidos em combate, ainda que o "desventurado" André, tenha andado pelos hospitais a tentar capitalizar o descontentamento dos médicos e utentes, na tentativa vã de culpar o SNS (leia-se, o governo) pelos infortúnios de uma sociedade pouco preparada para uma epidemia destas dimensões. Ninguém estava preparado. A prova é o crescimento exponencial do vírus a nível mundial, como pode ser observado diariamente na app "worldometer", que actualiza ao minuto as cifras disponibilizadas pela Organização Mundial de Saúde. Vão lá ver e depois falem.
Para já, há que seguir as indicações sanitárias aconselhadas e permanecer em casa. Parece fácil, mas não é. A principal dificuldade, é a falta de exercício. Compensamos com sessões de yoga diárias e subidas à açoteia que cobre todo o edifício (vantagens mediterrânicas), lugar de reunião dos condóminos e dos filhos em tempo de clausura. Uma vez ao dia, descemos para ir ao supermercado (falta sempre qualquer coisa), à farmácia ou ao ATM. Aproveito para comprar o "El País" impresso, já que nem todos os artigos estão disponíveis online. Os "workshops" na cozinha fazem parte da rotina diária e temo pelos quilos acumulados.  As leituras diárias, online e não só, são obrigatórias, dada a informação importante que circula, ainda que a opinião disparatada tenha aumentado em proporção. Podemos dividir as notícias que circulam em três grandes grupos: as catastrofistas, as cómicas e as cínicas. As primeiras, vêem na actual pandemia, um sinal do fim do Mundo (fundamentalistas religiosos e negacionistas em geral); as segundas, fazem circular anedotas, algumas delas geniais (o humor é importante nos dias que correm); finalmente, as terceiras, provavelmente as mais  pessimistas, ainda que, às vezes, com razão. Afinal, um pessimista é um optimista realista.  
Das centenas de notícias lidas, respigamos alguns assuntos que nos chamaram a atenção:
Desde logo, o "estado de excepção", promulgado pelo governo português, depois de um apelo do Presidente da República, após ouvir o Conselho de Estado no passado dia 18. A medida seria aprovada por uma maioria da AR, com abstenção do PCP, Verdes e IL. Uma lei polémica, já que é a primeira vez que  é aplicada em 44 anos de democracia (se exceptuarmos o período que se seguiu ao 25 de Abril, quando os militares, do MFA, garantiam a ordem democrática) e que continua a ser fortemente criticada em diversos artigos de opinião, e.o. por Raquel Varela, Manuel Loff, Rui Tavares (Público), Francisco Louçã (Expresso), Garcia Pereira (Diário de Notícias) ou Carlos Matos Gomes (Tornado). No seu discurso perante a AR, António Costa procurou serenar os ânimos, ao garantir que as liberdades fundamentais (leia-se, democracia) estavam salvaguardas. Resta saber se, ao prolongamento da situação de excepção, se seguirá uma situação de aceitação destas mesmas medidas, que poderão ser prolongadas caso a crise social e económica, que, inevitavelmente, virá a seguir, lance o pânico nos "mercados". Conhecemos o enredo: em situação de crise, a especulação aumentará exponenciamente e, a não serem tomadas medidas preventivas desde já (dos governos, mas também dos cidadãos que neles votaram) podemos vir a confrontar-nos com um dos dois pesadelos: ou controlo financeiro da economia e, por extensão da política, como aconteceu após o "crash" de 2008; ou o fascismo (implícito e explícito), que é a forma mais drástica do ditadura do capital. Como declarava, ontem, Yanis Varoufakis, em debate online organizado pelo movimento DIEM25, "a esta hora, em Budapeste, Orbán e os seus congéneres europeus, como Le Pen e Salvini, esfregam as mãos, à espera da próxima crise que facilitará os regimes autoritários."
Outras notícias, não menos importantes, são naturalmente os boletins clínicos e conselhos práticos fornecidos diariamente pela OMS e, no caso português, pela DGS. Pesem algumas discrepâncias em dados e opiniões abalizadas, algumas coisas começam, no entanto, a ser aceites pelo mundo científico. Assim, e contrariamente à notícia difundida em Janeiro, o Coronavírus pode ter sido originado noutro local, que não em Wuhan, apesar de ter sido num mercado dessa cidade que primeiro foi detectado. De acordo com cientistas chineses, japoneses, taiwaneses e norte-americanos, o vírus pode, inclusive, ter origem nos EUA, o único país onde foram (até agora) encontradas as cinco estirpes do Corona. O seu aparecimento na Ásia, não exclui a possibilidade de ter sido transportado para Wuhan, onde decorreram exercícios militares internacionais. Em todos os outros países asiáticos (China, Coreia do Sul, Japão, Taiwan, Singapura, etc.), o vírus tem apenas uma ou duas estirpes. Está tudo num artigo publicado no El Ciudadano.
Também sabemos que a China e a Coreia do Sul, os primeiros países (com o Japão) a serem atingidos pela epidemia, conseguiram o "achatamento da curva" de expansão dos infectados, reduzindo o número de mortos. Dos 1500 casos diários registados no pico da crise, Wuhan passou a 6 por dia! Uma das explicações para o sucesso, prende-se, naturalmente, com a disciplina asiática o que, num estado totalitário como a China, não será difícil de acatar. Já na Coreia do Sul (o segundo país asiático mais infectado), assim que souberam da situação chinesa, foi desenvolvida uma estratégia nacional: as 4 maiores fábricas farmacêuticas do país receberam meios e dinheiro para fabricar kits de teste, o que permitiu testar 20 000 cidadãos diariamente, em hospitais e unidades clínicas de proximidade. Simultaneamente, foram criados 56 laboratórios em todo o país, para analisar os resultados e, desta forma, separar os cidadãos infectados da restante população. Hoje, tanto os médicos chineses, como os sul-coreanos, estão na Europa (o continente mais afectado) a ajudar em países como a Itália e a Espanha. A prevenção e a disciplina, não bastam, mas ajudam.

(continua)

2 comentários:

Carlos A. Augusto disse...

O "vírus chinês", designação criminosa e racista, do palhaço americano. A "gripe espanhola" teve origem em Fort Riley, no Kansas. Ninguém se lembrou de chamar "vírus americano" ao agente que causou, na altura, cerca de 500 milhões de mortes, em todo o mundo. Vamos ver de onde terá vindo, afinal, este coronavirus. Aguardemos pelas novidades com paciência.

Rui Mota disse...

A designação "virus chinês", reflecte a mentalidade racista e xenófoba que sempre foi apanágio do palhaço. Como as coisas estão, os EUA podem vir a ser o continente mais infectado. Não faltarão americanos a culpar a administração pelo fiasco das medidas atrasadas. Podemos estar a assistir ao "turning point" na campanha eleitoral.