2021/03/12

Desconfinamento: um país "a conta-gotas"...


Na ausência de Marcelo Rebelo de Sousa, em visita ao Vaticano e à Casa Real Espanhola -  tradicionalmente as suas primeiras visitas ao estrangeiro, após a tomada de posse (!?) -  coube a António Costa a missão de comunicar ao país o tão aguardado plano de "desconfinamento", anunciado para o dia 11 de Março. 

Convém lembrar que, desde Março de 2020, o país já conheceu 12 períodos de confinamento, sendo o actual o mais severo de toda a Europa, juntamente com a Irlanda que, no entanto,  não encerrou as escolas.  

E o que tinha para anunciar, ontem, o primeiro-ministro?

Que, depois de ouvir os especialistas e aconselhar-se com o presidente da república, o governo tinha chegado à conclusão que o país começará a "desconfinar" a partir da próxima segunda-feira, dia 15 de Março. Isto, porque o índice de transmissibilidade (Rt) actual, é de 0,8% (abaixo do Rt 1, o índice máximo aceite). No caso de Portugal, ainda que o número de infectados nas UCI's esteja a diminuir diariamente, ainda estamos longe dos 120 doentes por 100.000 habitantes, que o governo considera o "ratio" ideal.

Criticado à esquerda e à direita, pela má gestão da crise pandémica em Dezembro, o governo optou, desta vez, por "desconfinar" devagarinho, (a "conta-contas" na expressão de Costa), não vá o Diabo tecê-las. Teremos assim, um "desconfinamento" lento e progressivo, que durará até 4 de Maio, se tudo correr como previsto... 

O plano actual, deste 13º confinamento (!?),  prevê 4 fases (de 15 dias cada), ao fim das quais será avaliada a passagem à fase seguinte, de acordo com um cronograma estabelecido por prioridades: primeiro as creches + o ensino básico; os barbeiros, cabeleireiros e similares (?); o pequeno comércio e as livrarias. Depois, todas as outras actividades (cinemas, teatros, restaurantes, hotelaria, recintos desportivos, festivais, fronteiras, etc.) até Maio. Para avaliar da passagem à fase seguinte, foi estabelecido um sistema "semáforo": verde, amarelo e vermelho. Assim, a cor "verde" permite passar à fase seguinte, a cor amarela implica deixar tudo como está e, a cor "vermelha", obriga a voltar à primeira fase. Isto, por regiões, uma novidade em relação ao primeiro confinamento do ano passado, quando todo o país era abrangido pelas mesmas regras. 

Acontece que, como todos os planos, este baseia-se num "plano ideal", segundo o princípio que as coisas vão correr pelo melhor. Mas, como poderão as coisas correr bem, se não são feitos "testes" suficientes e "rastreios", à população? Como poderão as coisas correr bem, se não estão a chegar as vacinas prometidas, em tempo útil, comprometendo, desde logo, o plano de vacinação nacional (que apontava para 70% da população vacinada, até meados de Agosto?). Como poderá, desta forma, ser assegurada a tão propagada "imunidade de grupo", antes do próximo Outono, quando está prevista uma 4ª vaga da pandemia? E, depois, mesmo que essa percentagem seja atingida, quem pode garantir a imunidade (aqui ou na Europa), quando 2/3 do planeta ainda nem sequer começou com a vacinação? Mais: como saber quem está vacinado ou não? Só com uma prova. Que tipo de prova? um cartão sanitário. Há quem lhe chame "passaporte sanitário". Um eufemismo para controlar os viajantes entre estados e continentes. Dito de outro modo: quem não tiver um passaporte sanitário (prova de que está vacinado contra o Covid19) não poderá entrar em determinados países. Sabendo que a maioria dos países africanos e sul-americanos (e não só) ainda não dispõe da vacina e que só lá para 2023 ou 2024 a poderão obter, podemos imaginar a consequência para os cidadãos de países do Hemisfério Sul: só poderão entrar na Europa, ou na América do Norte, se tiverem um passaporte sanitário...

Isto leva-nos a outras questões, relacionadas com a vacina. Certamente, com a melhor das intenções, na linha do "espírito frugal" que sempre caracterizou protestantes luteranos e calvinistas, a senhora Von der Leyen, resolveu fazer uma compra de vacinas por "atacado" (com o intuito de baixar o preço por unidade) para os 27 países membros da União Europeia. Só que, não foram estes, mas os países mais ricos e que estiveram dispostos a abrir os "cordões à bolsa" (entre outras razões, porque também foram aqueles que financiaram a investigação farmacêutica) a comprar toda a produção das grandes fábricas (Pzifer, Moderna, etc...) antes da Europa. Só assim se explica, que os EUA, o Reino Unido ou Israel, por exemplo, no mesmo período de tempo (10 semanas) já tenham vacinado, respectivamente 1/3, 1/4 e  metade das suas populações, quando a maior parte dos países europeus nem sequer 10% da população conseguiu vacinar! O mais estranho (ou talvez não) é não haver muita gente a denunciar este estado de coisas (há excepções, claro) quando o escândalo é por demais evidente e os políticos responsáveis não são chamados a "prestar contas" (accountability) sobre coisas tão evidentes como esta. Portugal (actualmente na presidência rotativa da União Europeia) tem aqui uma oportunidade para fazer ouvir a sua voz sobre tal situação. Será desta vez que Costa ousará "dar um murro na mesa" ou passará, mais uma vez, ao lado, interessado como está na famigerada "bazuca", que parece ser a panaceia para todos os males da nação?

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