2021/06/06

Sevilha: notas soltas

Após quatro meses de confinamento severo, as fronteiras terrestres entre Portugal e Espanha, reabriram no passado mês de Maio. Oportunidade para um regresso à capital andaluza, ainda sem os turistas habituais, mas já vibrante na sua "movida" e na oferta cultural, sempre diversificada.

Desta vez, e entre as escolhas possíveis, optámos por música, teatro e artes plásticas. 

Logo a abrir, no dia 13 de Maio, um concerto memorável, a cargo da cantora Emma Alonso e do pianista José Manuel Vaquero (El Pájaro), subordinado ao título "De Buenos Aires a Paris". Uma viagem musical de excelência, servida por dois intérpretes de excepção, tanto nos respectivos instrumentos (voz e piano), como no repertório escolhido e na qualidade das interpretações. O concerto, organizado pela "Fúndación Tres Culturas", teve lugar no mítico Pavilhão de Marrocos, uma reprodução palaciana, digna das "mil e uma noites", construída para a Expo'92 e doada pelo governo marroquino à cidade. A Fundação, tem ali a sua sede e programa regularmente eventos musicais, desta vez subordinados ao tema "Diversidade Cultural". 

Uma hora mágica, o concerto de Emma e de Vaquero, que passaram em revista canções de Mercedes Sosa, Milton Nascimento, Mikis Theodorakis, Astor Piazzolla, Kurt Weill, Tom Jobim, Edith Piaf e George Brassens, para além de duas "zambas" argentinas e um merengue venezuelano, para deleite da assistência. Um concerto para recordar, onde as vocalizações de Emma e os arranjos contidos, mas inovadores de Vaquero, se conjugaram para nos relembrar que, a boa música, quando bem interpretada, não morre nunca. 

Seguiu-se, dois dias mais tarde, uma visita ao teatro, para apreciar a peça "La Odisea de Magallanes-Elcano", no mítico "Lope de Vega",  a sala de visitas da cidade. "La Odisea", é fruto dos eventos de celebração do 5º Centenário da 1ª volta ao Mundo, que tem vindo a ser celebrado pelas autoridades espanholas de há dois anos a esta parte. Trata-se de uma co-produção da Junta de Andalucía, El Ayuntamiento de Sevilla, El Teatro Lope de Vega, certificado com o sêlo de qualidade da Comissão de Comemorações da 1ª volta ao Mundo  (Ministério da Cultura).

A peça, dirigida e encenada por Alfonso Zurro (director do Teatro Clássico de Sevilha), reproduz diversos episódios da épica viagem e foi escrita por oito dramaturgos e autores diferentes, sem seguir a cronologia dos factos. Muitos bons, alguns dos quadros, servidos por bons actores e meios técnicos (multimédia) a condizer. Os episódios, alternando entre o heróico, o burlesco e a traição, não esconde os ataques desabridos de Magalhães, nas Filipinas, que acabariam por lhe ser fatais. Seria o espanhol Elcano, a completar a viagem. Para a história, a epopeia da Circum-Navegação, que provou ser a Terra redonda.

Já nos derradeiros dias da visita, uma passagem pela Faculdade de Belas Artes, para apreciar a exposição "El Aire Habitado", do escultor francês, residente em Espanha,  Aurélien Lortet. Uma pequena, mas nem por isso menos interessante exposição, onde uma dúzia de objectos valem (e falam) por mil. Excelentes as suas criações (em madeira e metal) sobre temas tão diversos como o sonho, a alienação ou a repressão. A revisitar, este Lortet que, aparentemente, leva uma vida pacata em Carmona, a 30km de Sevilha...

Finalmente, um dos "pratos de resistência" deste périplo cultural sevilhano: um concerto de Luís Pastor, um dos mais conceituados "cantautores" do país vizinho, que já conhecíamos de diversas actuações em Portugal, onde tem sido convidado regular da Associação José Afonso. Desta vez, para apresentar o seu último trabalho discográfico "La Paloma de Picasso", um belíssimo disco, onde se fala da paz, mas também daqueles que a impedem, os tiranos de todas as latitudes e daqueles que os apoiam, uma constante da sua obra. Contemporâneo de Paco Ibañez, Lluis Llach, Joan Manuel Serrat, Carlos Cano e Patxi Andión (estes dois últimos, entretanto, falecidos) Luís Pastor, mantém uma óptima voz e um gosto apurado, como é facilmente detectável em números como "La Paloma de Picasso" (que dá o nome ao CD), "Los Hijos de España", "Verde Cabo de Mis Ojos" (uma homenagem a Cesária Évora), "Náufrago de Las Estrellas" (o meu número preferido), "Mariana Pineda" (com a colaboração da grande Carmen Linares) ou "Cambiar El Mundo" (com voz em "off" do ex-presidente uruguaio José Mujica). 

Um excelente concerto, que o cantor nos confidenciou esperar repetir em Portugal, onde virá no próximo mês de Setembro, a convite do Observatório da Canção de Protesto em Grândola. Lá o esperamos. 

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