2021/09/17

Grândola: "Que é feito dos cantautores?"

Realizou-se no passado fim-de-semana, em Grândola, mais uma edição dos "Encontros da Canção de Protesto", uma iniciativa do "Observatório da Canção de Protesto" (OCP), organismo resultante da parceria entre a Câmara Municipal local, entidade promotora, a Associação José Afonso (AJA) a Sociedade Musical Filarmónica Operária Grandolense, os Institutos de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, o Centro de Estudos de Sociologia Estética e Musical (CESEM), o Instituto de Etnomusicologia (INET-md) e o Instituto de História Contemporânea (IHC). 

Trata-se de um projecto, lançado em 2007, então denominado "Observatório Mundial da Canção de Protesto" que, numa primeira fase, foi apadrinhado pela autarquia em exercício e que, posteriormente (2015) seria recuperado com o nome actual, agora mais consentâneo com os fins a que se propõe. "Os seus objectivos são o estudo, a salvaguarda e a divulgação do património musical tangível e intangível da Canção de Protesto, produzida durante os séculos XX e XXI, através da realização de iniciativas culturais diversas" (dos objectivos). 

Esta foi a terceira edição dos Encontros, pelos quais têm passado alguns dos intérpretes nacionais mais marcantes da "Canção de Protesto", a que alguns chamam "Canção de Intervenção", "Canção de Resistência" ou "Canto Livre", de acordo com a época e os intervenientes do género musical.  Depois da edição de 2020, marcada pela pandemia que obrigou ao cancelamento de vários concertos (ex. Sérgio Godinho), esta edição, que decorreu entre 10 e 12 de Setembro, cumpriu rigorosamente a programação anunciada, ainda que nem sempre dentro dos horários previstos. Uma pecha menor já que, uma vez em Grândola, era difícil sair e os "encontros" servem para isso mesmo: voltar a encontrar quem não víamos há um ano...

Do programa desta edição, destaque para a comemoração dos 150 anos do hino "A Internacional", evocado em quatro momentos distintos: uma exposição de cartazes alusivos, produzida pelo OCP, que podia ser vista no Parque Central da vila; o concerto "Se toda a gente se juntar" pelo Coro da Achada, com textos e canções da Comuna de Paris; o documentário "The Internationale" (Peter Miller) e uma sessão testemunhal, que teve a participação de António e Carlos Moreira, Paulo Guimarães, Samuel Quedas e Hugo Castro, que evocaram as suas experiências com o hino em debate. 

Das sessões testemunhais mais concorridas, as dedicadas a "Grândola" (canção) e à sua gravação nos estúdios de Hérouville, por dois cantores presentes, Godinho e Fanhais (ao tempo a residir em Paris), constituíram momentos de emoção e humor, com histórias desconhecidas do grande público. Destaque ainda, no âmbito dos colóquios, para a comunicação de Anthony Seeger (sobrinho do grande Pete Seeger) que, dos Estados Unidos, participou por skype numa das mais interessantes sessões do certame, subordinada ao tema" A função política e social da canção", que teve a colaboração de Diana Dionísio, Mário Correia e Carlos Calixto. 

Finalmente, a parte musical, sempre a mais aguardada e participada, já que pelos palcos montados para os Encontros, passaram alguns dos nomes míticos da canção: 

Destaque para as boas intervenções do duo Grace Petrie (canto e guitarra) e Ben Moss (violino), dois "folkies" de gema, que deliciaram a assistência com canções de autoria própria, a comprovar que, em Inglaterra, o revivalismo folk dos anos setenta, continua vivo e de boa saúde. Outra agradável surpresa, seria o grupo "Al Sur", de nome espanhol, mas de origem portuguesa, que interpretou em modo pop-rock, baladas e canções de diversos autores, e.o. Saramago e José Afonso. Bom projecto musical.

Os momentos altos da festa estariam, no entanto, guardados para o palco principal, com as actuações (na primeira noite) de Sérgio Godinho e os Assessores que, em versão electrificada, recordaram canções dos primeiros álbuns do cantor, provando que a inovação não é inimiga da tradição; depois, o grande concerto de sábado à noite, com a presença dos míticos cantores espanhóis Paco Ibañez, Luís Pastor, Quico Pi de La Serra, Bernardo Fuster e dos portugueses Carlos Alberto Moniz e Samuel Quedas que, conduzidos pelo mestre de cerimónias José Fanha, alternaram em palco, nalgumas das suas mais conhecidas canções. Finalmente, o concerto de encerramento, evocativo do cinquentenário do LP "Cantigas do Maio", que foi integralmente cantado por Francisco Fanhais e João Afonso, acompanhados musicalmente por Rui Pato e pela Sociedade Musical Filarmónica Grandolense. Melhor final, era impossível. 

"Que fue de los cantautores?" (Que é feito dos cantautores?), perguntava-se Luís Pastor no seu poema-manifesto, que vem declamando há décadas e voltou a cantar em Grândola. Bom, eles continuam por aí e não desistiram, como os Encontros de Grândola comprovaram. Resta saber por quanto mais tempo. Para o ano, há mais. 

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