2022/05/17

Taxi Driver (24)

Está livre? 

- Entre, entre...então, para onde vamos? 

Para a Buraca, s.f.f.

- Muito bem. Já vi que veio do hospital. Está tudo bem consigo?

Para já, parece que sim. Não me queixo. Há quem esteja pior; os ucranianos, por exemplo...

- Não se esqueça do que vai dizer...A propósito da Ucrânia, tenho um casal amigo, de nacionalidade ucraniana, que já mora cá há uns bons anos. Ainda esta semana estive com eles e disseram-me que muitos ucranianos estão a voltar para a Ucrânia. O senhor acredita nisto?   

Acredito. É natural, querem ajudar o seu país. Os homens principalmente. As mulheres ficam cá com as crianças. De resto, quem não saiu até agora, dificilmente poderá fazê-lo, dado que todos homens adultos (a partir dos 16 anos) estão mobilizados para o serviço militar. 

- Pois, já ouvi falar nessa lei. Penso que é geral. Não estou nada de acordo. Acho que não devemos obrigar ninguém a ir para o serviço militar. Eu odeio o militarismo. 

De facto, a guerra não interessa a ninguém, mas há muita gente a ganhar com isso...

- Olhe, eu fui obrigado a ir para a tropa, na altura em que não se podia recusar. Cheguei a falar com o tenente de serviço (estava em Mafra) e dizia: "meu tenente, não me obrigue a fazer estes exercícios que eu não sou capaz e não tenho jeito nenhum para isto". Sabe, o que é que ele fazia? Punha-me de castigo e não me deixava ir a casa nos fins-de-semana...meses a fio! A minha mãe chegou a ir ao quartel falar com ele e ele disse-lhe: "os quartéis são para homens! As mulheres, devem estar em casa a cozinhar"...

Mas, isso foi há quanto tempo? 

- Então, eu tenho 50 anos. Nessa altura tinha dezoito, faça as contas...

Mas, isso já foi depois do 25 de Abril. Do que sei, a tropa deixou de ser obrigatória há muitos anos. Agora, só vai quem quer. Só aceitam voluntários.

- Sim, mas naquela altura ainda éramos obrigados. Não estou nada de acordo. Eu era incapaz de pegar numa arma para matar alguém. Nem um animal. Quando a minha mãe matava um frango ou um coelho, eu saia de casa para não ver...

Ou ser morto...

- Ou ser morto. Mas eu preferia ser morto a ter de matar alguém. Nunca na vida! 

Percebo. Estou inteiramente de acordo consigo. Aliás, eu também não fiz a tropa, ainda que por razões diferentes. Não fui objector de consciência. 

-   Pois, o tenente, obrigava-me a ficar de fascina e a esfregar o chão do quartel. Todas as semanas, quando chegava a vez de distribuir as cadernetas de licença militar, chamava-me e dizia: "Ramos, está aqui a tua caderneta!". Rasgava-a à minha frente e dava-ma aos bocados. Acredita?

Sim, conheço muitas histórias dessas, mas do tempo da ditadura e da guerra colonial. 

- Uma coisa sem sentido nenhum, o serviço militar. Só devia ir para a tropa, quem tivesse vocação e quisesse fazer carreira daquilo. Não está de acordo? 

Não podia estar mais de acordo. 

- Isto é um massacre. Todos os dias na televisão a ouvir as mesmas notícias: Putin, Putin, Putin...

Certo. Uma "lavagem ao cérebro", feita por quem ganha com a guerra. E há muita gente que ganha e bem com a guerra. Com todas as guerras...

- E vou dizer-lhe uma coisa: conheço bem a comunidade ucraniana e ele há cada um que mete medo. Ele é assaltos, máfias e até fascistas. 

Essa vertente é conhecida. Era na Ucrânia, que muitos grupos europeus de extrema-direita se treinavam. Só que essa característica é comum a todos os países do leste europeu. Os russos não são melhores. 

- Lindo, lindo, lindo!... Era mesmo isso que eu queria dizer. Como é que se chama? 

Rui...

- Eu chamo-me Ramos. Você é o máximo! Agora é que disse a verdade! 

Tenho dias...quanto é que lhe devo? 

- Por ser para si, sr. Rui, são 4 euros e 45 cêntimos.

Obrigado. Boa tarde e bom trabalho.

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