Para o mês de Junho, a CP (Companhia Ferroviária Portuguesa), anunciou uma greve intermitente de maquinistas, a nível nacional. Porque a greve se anunciava "intermitente", temi o pior. Já bastam as greves "constantes" que, normalmente, só prejudicam os trabalhadores que compram passes mensais e perdem o dinheiro investido à cabeça, quanto mais "intermitentes"...
Porque necessitava de viajar de comboio para Faro, resolvi comprar o bilhete com alguma antecedência e dirigi-me à bilheteira de Sete-Rios, para tentar perceber o conceito de "intermitente".
IDA
Conforme receava, apenas uma das duas bilheteiras funcionava e a fila (maioritariamente constituída por turistas) ultrapassava as três dezenas de pessoas. Após meia-hora de espera, sou atendido.
- Estão em greve de zelo?
Não. Estamos em greve.
- Estão em greve? Mas a bilheteira está a funcionar...
A greve é dos maquinistas.
- Não estou a perceber. Os maquinistas estão em greve, os comboios não funcionam e os senhores vendem bilhetes?
É como vê. Para onde vai?
- Quero ir, depois de amanhã, para Faro e desejo um bilhete para o comboio das 10.14h.
Se quiser eu vendo-lhe o bilhete, mas não prometo que haja comboio...
- Bonito serviço. E agora, que me aconselha?
O senhor é que sabe. Pode ir sempre de autocarro. Ou vir nesse dia e aguardar pelo comboio...
- Estou a perceber. A greve é "intermitente" e pode ser que esse comboio funcione. Arrisco.
Comprei o bilhete e voltei para casa, onde espero dois dias, enquanto sigo a greve da CP pelas notícias. Entretanto, pessoa amiga em Faro, ia-me informando da dificuldade que tinha em regressar a Lisboa, dado que alguns comboios tinham sido cancelados. Fazia sentido: dia 13 (segunda) foi feriado em Lisboa e muita gente aproveitou a "ponte" de três dias para ir até à praia. Nada melhor do que uma greve durante um fim-de-semana prolongado. De resto, há uma tradição de greves à sexta e à segunda, em Portugal, o que não deixa de ser curioso...
No dia aprazado (13) fui, com uma hora de antecedência, para a estação. Comprei o jornal e esperei pelo comboio. Com 10 minutos de atraso, chega o dito e pude embarcar normalmente.
VOLTA
Nove dias mais tarde, eis-me de regresso a casa. Chego à estação de comboios de Faro, onde apenas duas das três bilheteiras existentes estão a funcionar. Uma fila de nacionais e turistas espera pacientemente, de mochilas às costas, pela sua vez. Só há uma fila, que se divide, à medida que as bilheteiras vão ficando livres. Quando chega a minha vez, dirijo-me à bilheteira da esquerda, que tinha ficado livre. A funcionária ignora-me, deixa a bilheteira aberta e dirige-se a uma secretária, onde inicia uma série de telefonemas, enquanto confere a papelada com ajuda de uma máquina de calcular.
Aguardo pacientemente, ao mesmo tempo que a bilheteira do lado, continua a vender bilhetes. Passaram mais de 5 minutos e a funcionária continuava alegremente a conversar pelo telefone. Impaciente, bato no vidro e chamo-lhe a atenção para o facto de continuar à espera, já que a bilheteira não tinha sido encerrada. Olha-me irritada e faz-me sinal que devo passar para a outra fila. Respondo negativamente, uma vez que ela não tinha encerrado a bilheteira, pelo que continuava de serviço e eu não ia passar à frente dos outros passageiros na fila da direita.
Desvia o olhar e continua a conferir documentos, enquanto fala ao telefone com alguém. Torno a bater no vidro e, já irritado, chamo a atenção para o facto da bilheteira continuar aberta e ela não ter avisado ninguém, nem colocado o aviso de "encerrado" na bilheteira. Nem responde. Dada a urgência, passo para a fila do lado, onde uma gentil japonesa deixa que eu passe à sua frente. Dirijo-me ao funcionário, que me olha com os olhos esbugalhados e compro o bilhete, não sem antes pedir o livro de reclamações e protestar contra a forma como a companhia, de que ele faz parte, não ter a mínima consideração pelos passageiros e fazer greves por direitos, mas raramente cumprir deveres. Aproveito para fazer o discurso sobre a falta de cultura de "civil servant" (funcionário público) que é inexistente em Portugal. O homem (era brasileiro...) olha para mim, com ar desconsolado, passa-me o livro de reclamações e, enquanto escrevo a queixa, continua a emitir o bilhete, após o que me pergunta: "E o senhor, vai desejar número de contribuinte na factura?".
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