2024/07/11

Teremos sempre Paris...

Numa semana marcada por duas das mais importantes eleições europeias do ano - no Reino Unido e em França - a vitória sorriu à esquerda, ainda que, no caso britânico, o resultado dos "trabalhistas" fosse, de algum modo, esperado. Já em França, onde Macron ensaiou uma "fuga em frente" (com a marcação de eleições antecipadas) as coisas não podiam ter corrido pior para o presidente francês. Depois da derrota nas europeias de 9 de Junho, onde se viu ultrapassado pela extrema-direita de Le Pen, o seu partido caiu, desta vez para a terceira posição e, surpresa das surpresas, a vitória caberia à (Nova) Frente Popular, constituída há menos de um mês.

No ano de todas as eleições, os resultados obtidos por forças progressistas em países como a Espanha, a Polónia, o Reino Unido e a França, mostram que o avanço das forças nacionalistas e populistas de extrema-direita, pode ser travado, ainda que nada esteja definitivamente ganho neste campo. Para que isso seja possível, há que reverter muitas das políticas actuais da União Europeia, onde a prioridade deixou de ser a inclusão e o combate às desigualdades, que durante anos constituiu um dos pilares da Europa, para passar a ser a defesa dos grandes monopólios e a discriminação social e étnica de parte significativa da população. 

São portanto estes dois vetores (economia e situação social) os que mais pesam na decisão final dos eleitores na hora da votação. Perante as urnas, os votantes pensam duas vezes: com a carteira e com a cabeça. Nada de novo aqui, ainda que a demagogia e (sede do) poder de alguns governantes os tornem insensíveis às reivindicações populares. 

Veja-se o caso do Reino Unido, onde uma decisão demagógica de Cameron conduziu a um Referendo (que ninguém pediu) sobre a permanência do Reino na União Europeia. O resultado do Brexit é conhecido e, oito anos depois, a maioria (53%) dos britânicos votaria hoje contra a saída da União Europeia. Entretanto, todos os índices económicos pioraram, o custo de vida aumentou exponencialmente, a exclusão social aumentou, a emigração ilegal também e a fuga de cérebros (brain drain) não parou desde então. Não é de admirar que, neste contexto, os 14 anos de governação "torie" tenham deixado o país em estado de negação que, se traduziu numa vitória esmagadora de um partido trabalhista e de um líder, sem carisma e reformista que baste.  

O mesmo processo se passou em França, ainda que as causas sejam algo diferentes. Depois de anos de alternância democrática, durante os quais republicanos e socialistas tentaram governar ao centro (desprezando as classes mais desfavorecidas e os direitos de minorias) os movimentos populistas e extremistas de direita cresceram. Paulatinamente, Marine Le Pen foi renovando o partido criado pelos seguidores de Pétain (entre os quais, Jean Marie Le Pen, seu pai) alterou o discurso e modernizou o "aparelho". Ela própria, que perdeu duas vezes para Macron, deixou a direcção do partido a um "jovem turco", que a substituiu e ganhou as eleições europeias do mês passado. Estava dado o mote para a ascensão da União Nacional ao governo de França, com a mais que provável candidatura de Le Pen à presidência em 2027. 

Macron, um presidente autoritário, que virou contra ele meia-França, depois do aumento da idade da reforma para os 66 anos, do aumento do preço dos combustíveis (que desencadearam as greves nacionais dos "coletes amarelos" e dos agricultores) e que nunca conseguiu apaziguar os guetos minoritários, onde grassa a exclusão social e a criminalidade, foi penalizado pela sua arrogância. 

Hoje, os conservadores britânicos e os liberais franceses, lamentam as derrotas e "lambem as feridas" das políticas erróneas seguidas nos últimos anos. Não foi por falta de avisos. Tantas concessões fizeram à (extrema) direita, que esta os ultrapassou. Um clássico: quando alimentas um crocodilo, arriscas-te a ser comido por ele.          

Acresce que, os anos de pandemia, a guerra da Ucrânia e a inflação (destas derivada), não vieram ajudar os tempos, já de si, difíceis. Tempos negros, que podem piorar, caso Trump seja eleito nos Estados Unidos. 

Entretanto, a esquerda (meia desfeita) tenta reerguer-se. Não será fácil, depois de anos de oposição em que não soube renovar-se e continuou a confiar nos velhos métodos. As ideologias dos anos sessenta e setenta, nas quais assentam muitos dos seus pressupostos, não disfarçam a incapacidade de lidar com os novos desafios. A utopia mantém-se, mas temos de ir sempre em frente, mesmo que o horizonte se afaste. Neste sentido, a vitória da "Nova Frente Popular" em França (quem diria?) é, para além da surpresa, um estímulo. Para já, mostrou que a unidade na acção é possível. Foi possível. Para que não se transforme numa "vitória de Pirro", há que continuar, se possível evitando os mesmos erros. 

Moral desta história: nunca devemos menosprezar os franceses. No futebol e na revolta. Por isso, lá voltamos sempre, à França da Liberdade, para podermos dizer, como Bogart: "we'll always have Paris..."


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