O Verão está a terminar, mas os fogos estão para durar.
Que o digam os residentes na região centro e norte do país, pela enésima vez atingidos por mais uma tragédia que, entretanto, consumiu mais de 120.000hectares de floresta (o equivalente a 120 mil campos de futebol). A quarta maior área ardida neste século, só suplantada pelas tragédias de 2003, 2005 e 2017, que consumiram mais de 400mil, 300mil e 500mil hectares, respectivamente.
Um cenário dantesco, que as televisões (contrariamente às recomendações governamentais após os incêndios de 2017) teimam em mostrar nos seus aspectos mais sórdidos e caricatos, como as dos repórteres, de plantão no terreno, a perguntar às pessoas que tudo perderam, "o que pensam fazer" (!?). O que pensam fazer?
Pela enésima vez, lá vieram os comentadores e "experts" do costume às pantalhas, confirmar os dados e os diagnósticos feitos em anos anteriores. Todos os orgãos de comunicação reproduzem as suas informações e os diagnósticos são de todos conhecidos. Só não sabe quem não quer.
Por exemplo: ao contrário do que o primeiro-ministro fez crer, ao lançar uma atordoada para o ar, numa conferência de imprensa sem direito a perguntas (!?), a culpa dos fogos não é apenas dos incendiários.
O jornal "Público", publicou esta semana um gráfico elucidativo a esse respeito (dados de 2023), onde se pode ler: 50% das ignições são provocadas pelo uso de fogo (queimadas, churrascos, cinzas ou beatas mal apagadas, etc...); 31% das ignições são provocadas por incendiários (individuais ou a soldo de alguém); 15% das ignições, são devidas a causas acidentais (faíscas, curto-circuitos, moto-serras, etc...). Ou seja, menos de 1/3 dos fogos, serão causados por incendiários (in "Público" d.d. 18/09/24).
Como bem explicou esta semana, a ex-ministra de Coesão Territorial do governo anterior, o país há décadas que se debate com um problema estrutural, que é o do progressivo abandono dos campos pelas populações, que entretanto deixaram a agricultura e emigraram para o litoral ou para estrangeiro. Neste momento, 80% da população portuguesa vive numa faixa costeira entre Viana do Castelo a Setúbal, enquanto os restantes 20% vivem em 3/4 do território. Ou seja, 3/4 do território - "grosso modo" as regiões de Trás-os-Montes, Beiras, Alentejo e Algarve - estão "desertas". Sem população, não há agricultura e pastoreio, nem ninguém cuida da floresta. Os fogos, acontecem maioritariamente em regiões despovoadas, onde o mato cresce desordenadamente e ninguém consegue chegar. Elementar, diria o Watson.
Acresce, informou a ex-ministra, que o estado só detém 2% da floresta. Os restantes 98% pertencem a particulares. Ou seja, é da responsabilidade desses particulares protegerem as suas terras, seja cultivando algo, seja limpando o mato, para evitar a propagação dos fogos. Mais, a ex-ministra também informou, que 60% da propriedade rural, não está cadastrada ou pertence a proprietários que já morreram. Os herdeiros, muitas das vezes desconhecem as terras que possuem ou, pura e simplesmente, não querem saber destas. As partilhas são difíceis de fazer e podem levar anos, o que desencoraja os processos de heranças. Porque o processo de desertificação, dificilmente será parado, a única solução é a expropriação (em caso de interesse nacional) ou a associação de pequenos agricultores em cooperativas, que permitam a exploração conjunta dos terrenos individuais, de forma a garantir alguma rentabilidade aos proprietários.
"Last but not the least": as alterações climáticas são uma evidência, pelo que podemos esperar verões cada vez mais prolongados, temperaturas médias acima de 30 graus, humidade abaixo dos 30% e ventos Leste, característicos da zona mediterrânica. A chamada "tempestade perfeita". Exige-se, pois, maior e melhor prevenção.
Toda a gente sabe isto e, depois das tragédias de 2017, foram criados sistemas de protecção mais sofisticados para evitar a repetição do flagelo. A coisa melhorou, mas, a avaliar pelos títulos desta semana, nem tudo resultou: "Reforma florestal derrapou e falha no cuidado dos espaços rurais (a este ritmo, Portugal não alcançará as metas definidas para 2030)", noticiava em manchete o "Público" de 18 de Setembro último. Como assim? Não aprendemos nada?
É difícil assistir a esta hecatombe com que, anualmente, somos confrontados. Mais difícil ainda, é ter de assistir à total incapacidade do país para resolver problemas centrais do seu ordenamento territorial e a defesa de uma das suas maiores riquezas (a floresta). Que fazer? Responda quem souber.
1 comentário:
Excelente artigo.
Triste por ser a realidade
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