
O "acordo" para Gaza, proposto na passada semana por Donald Trump, começa a dar os primeiros passos.
É cedo para extrair conclusões definitivas. Trata-se de um documento de 20 pontos, que prevê diversas fases, das quais a primeira (fim dos combates, recuo das tropas israelitas, libertação de reféns e de prisioneiros, entrada de ajuda humanitária) começou a ser implementada.
Estas, são as boas notícias. A assinatura do Acordo de Paz, hoje no Egipto, formalizará as boas intenções, acordadas entre Israel, o Hamas e os principais mediadores nesta crise (Egipto, Qatar e Turquia, sob a supervisão dos EUA). Como diria Shakespeare, "tudo bem, quando acaba bem"...
Acontece que, dos 20 pontos que constam do "acordo", só os primeiros cinco estão a ser concretizados, o que sendo um sinal positivo, não garante o cumprimento dos restantes. Desde logo, porque o Hamas, parceiro improvável na futura administração de Gaza, continua a recusar a entrega das armas e, em nenhum dos pontos, está claramente explícita a criação de um futuro estado palestiniano, ainda que seja feita uma vaga referência a essa possibilidade (ponto 19). Depois, porque não sabemos quem vai fazer parte do próximo governo de Gaza: a Autoridade Palestiniana, que governa na Cisjordânia? Um governo de coligação, entre as diversas facções? Um governo de transição, composto por tecnocratas locais e estrangeiros? Haverá uma nova constituição e eleições livres? Quando? Finalmente, não sabemos nada sobre a forma como vai ser administrado o território de Gaza e quem serão os actores principais neste período de transição... Espera-se que organismos como a ONU, a Unesco, a UE e os Emirados Árabes, estejam na primeira linha de ajuda. Fala-se, ainda, num "comité" de reconstrução, coordenado por Tony Blair, personagem recusada por parte da comunidade internacional, devido à sua responsabilidade na invasão do Iraque e ao papel dos britânicos na criação do estado de Israel. Há coisas, que a memória não apaga.
Entretanto, dois anos após bombardeamentos diários, o balanço em Gaza não podia ser mais devastador:
90% dos edifícios foram destruídos, entre os quais, hospitais, escolas, mesquitas e abrigos, tornando praticamente impossível a sobrevivência entre os destroços, sem água, electricidade e mantimentos suficientes, para alimentar mais de dois milhões de habitantes.
Neste período, Israel foi responsável pela morte de 67.173 palestinianos, entre os quais 20.179 crianças, 10.427 mulheres, 4.813 idosos, 31.754 homens, para além de 169.780 feridos, 565 membros de ONGs, 376 funcionários da ONU, 254 jornalistas e milhares de vítimas, por identificar, que estarão ainda sob os escombros. Se não foi uma tentativa de genocídio, foi certamente um massacre, completamente desproporcionado e cujas principais vítimas foram civis inocentes, com a desculpa que os combatentes do Hamas se escondiam entre a população. Não estão aqui contabilizadas as vítimas israelitas, durante o ataque de 7 de Outubro de 2023, dos reféns falecidos em cativeiro e dos militares no terreno, que serão alguns milhares, certamente.
Uma barbárie, longe de terminada, já que as sequelas de tal hecatombe se farão sentir por muitos anos em ambas as partes do conflito. Nada será como dantes e haverá sempre um antes e um depois do 7 de Outubro de 2023, ainda que esta história não tenha começado nesse dia, como muitos pretendem ao reescrevê-la.
A grande questão, neste momento, é saber até que ponto a proposta de "acordo" é para manter. Se é suficientemente sólida para levar a cabo a tarefa ciclópica, que é a resolução do problema palestiniano. Já foi tentado no passado e falhou sempre, mas não desapareceu por isso. Também não desaparecerá desta vez e só podemos desejar que a solução esteja mais próxima, mesmo que estejamos a anos da sua concretização. Se o "acordo", proposto por Trump, poder contribuir para melhorar a situação dos dois povos, melhor ainda. Se não, o futuro se encarregará de demonstrar que "meias soluções" nunca resolveram os grandes problemas. Quanto muito, adiam-nos. Só a criação de um estado palestiniano pode terminar com as hostilidades. É isso que a Comunidade Internacional aguarda há 77 anos.
3 comentários:
Não parece possível que, com os actores em jogo neste processo, o desfecho último deste processo possa ser positivo. O mundo (e sublinho, o mundo!) vai continuar refém do estado de Israel, do grupo de assassinos que o governa e dos assassinos seus associados, nomeadamente, os Estados Unidos e o Reino Unido.
Certo. A curto prazo, não haverá mudanças significativas no "status-quo". Teria de haver outros actores em Israel, nos EUA e nos países árabes que, para além de dinheiro, não têm uma posição coerente em relação aos palestinos. Acresce que, no Conselho de Segurança da ONU, os EUA fazem valer o seu direito de veto, o que iliba Israel de qualquer sanção. Trump fez o que lhe interessava (terminar com a guerra, para poder fazer negócios e ganhar o Nobel) e nem sequer falou na solução de dois estados, que é o que menos lhe interessa. Voltámos à situação anterior a 7 de Outubro de 2023, com a diferença que Gaza está agora completamente destruída e a sua reconstrução vai levar anos. Entretanto, Israel não desistiu de ocupar definitivamente a Cisjordânia (os colonos estão cada vez mais agressivos) e Netanyahu já declarou que não haverá estado palestiniano...
Hoje já houve violações do cessar fogo. Nem um dia durou.
Enviar um comentário