2008/09/10

Buraco Negro

No mesmo dia em que, na Suiça, centenas de cientistas portugueses integram a equipa internacional responsável por uma das mais espectaculares experiências da física contemporânea - a recriação, num túnel acelerador de partículas, dos primeiros momentos da humanidade - outras notícias (bem menos optimistas) sobre o nível de formação dos portugueses, passaram despercebidas nos meios de comunicação nacional.
Assim, e de acordo com o último relatório publicado pela OCDE, Portugal continua a ocupar um dos lugares mais baixos no "ranking" europeu de qualificações escolares:
Mais de 60% da mão-de-obra portuguesa não tem qualquer formação específica (atrás de nós, só a Turquia com 63%).
Apenas 13% da população portuguesa é licenciada (atrás de nós, só a Turquia com 10%).
Somente 28% da mão-de-obra portuguesa é qualificada (também aqui, só a Turquia tem menos: 25%).
Ou seja, em três dos indicadores mais importantes, ocupamos sistematicamente o penúltimo lugar entre mais de trinta países europeus escrutinados.
Se juntarmos a esta notícia, a do INE, que nos diz que 9% da população (cerca de 1 milhão de portugueses!) continua estruturalmente analfabeta e 48% é analfabeta funcional, isto após mais três décadas de democracia e mais de duas décadas de quadros comunitários de apoio, é caso para perguntar: como é isto possível?
Bem pode o governo do "engenheiro" continuar a oferecer computadores "magalhães" e simplificar os exames para melhorar as estatísticas. Perante esta dramática realidade, não há acelerador que resista ao negro do nosso túnel. Um verdadeiro buraco!

2008/09/09

Protões à solta daqui a pouco na Suiça!

É desta que o Large Hadron Collider (LHC) , o super acelerador de partículas, vai começar a funcionar. Daqui a pouco, pelas 3.30h (suponho que hora da Europa Central), os primeiros protões vão ser lançados no túnel do acelerador a velocidades muito próximas das da luz. Por agora vão apenas circular para aquecer. Mais tarde dar-se-á a colisão. Das duas uma: ou acaba o mundo, engolido por um qualquer fenómeno provocado pela zanga dos deuses que não suportam que se brinque com as suas prerrogativas, ou então, como diz o director-geral do CERN, Robert Aymar "qualquer sugestão de que possa constituir um risco é pura ficção." A hipótese de se gerar um buraco negro ou outra coisa ainda mais medonha não passará portanto de especulação...
Eu sei que "protões" lançaria de bom grado, a velocidades próximas da da luz, por estes túneis do Hadron, até à colisão fatal. Mas, não digo!
Por agora fiquemos com os factos...
O LHC foi concebido para acelerar protões que irão gerar uma energia da ordem dos 7.000.000.000.000 electrões-volt. Estamos perante um projecto que dura há vinte anos e custou a módica quantia de 8 mil milhões de dólares. Nele trabalharam mais de 7.000 físicos de 80 nações. O túnel do LHC --com tamanho suficiente para nele poder passar um comboio-- tem 27 quilómetros de perímetro e está a 175 metros da superfície. As temperaturas geradas serão um milhão (um milhão!) de vezes mais altas que o núcleo do Sol. Os ímanes supercondutores que balizam o percurso das partículas lançadas a velocidades próximas da velocidade da luz são arrefecidos a temperaturas mais baixas que as que se verificam no espaço (-193.2º C). 
O "espetáculo" poderá ser visto em http://webcast.cern.ch/ para quem gostar de emoções fortes. Será, seguramente, bem mais excitante que o discurso de encerramento da "universidade de verão do PSD" pela dra. Manuela Ferreira Leite...

(a imagem é do CERN)


PS- A primeira experiência desta "máquina da descoberta" foi um sucesso. Pode ser tudo lido aqui. Imagens para quem estiver interessado aqui. Mais info interessante aqui.

2008/09/07

O tigre de papel

A América está a mudar? Vai mudar? Já mudou? Ou nunca mudou? Em véspera de eleições americanas, numa altura em que se ouvem cidadãos de outros países, que não têm direito a voto na América e que, se calhar, nem votam nos seus próprios países, proclamarem a sua preferência por este ou por aquele candidato, ou zurzirem no candidato que, no seu entender, não corresponde às suas simpatias ideológicas, surgem sinais de que as coisas na América já não são o que foram. Talvez nunca mais voltem a ser o que foram. Talvez mesmo nunca tenham sido aquilo que a gente pensa que foram....!
Entre as notícias sobre vices com mais ou menos viço, surgiram recentemente outras dando conta da preocupação de diversos analistas sobre o declínio da capacidade de inovação da sociedade americana. Embora alguns sectores ponham em causa a legimtimidade destas preocupações, o certo é que há diversos factos objectivos que demonstram que os E.U. estão hoje longe de ser o país onde reside a força que faz mover as rodas do progresso. As vozes que proclamam a sua preocupação sobre o que chamam de "défice de inovação" na América multiplicam-se.  
Interessante nesta matéria um recente artigo do NYT sobre um livro há pouco publicado de autoria de Judy Estrin, uma dessas vozes críticas, chamado "Closing the Innovation Gap". É desse artigo que retirei a maior parte dos dados que cito aqui. Os cépticos dizem que não, que os E.U. mantêm uma liderança inquestionável em matéria de ciência e inovação. 40% do total dispendido no mundo na área da ciência provém da América. 70% dos prémios Nobel são americanos. A América tem 75% das 40 melhores universidades do mundo. Mas, a história pode não ser bem assim. A liderança dos E.U. em matéria de ciência e inovação é conseguida à custa de conhecimentos e tecnologias desenvolvidos há décadas. O que acontecerá quando o efeito se esgotar? A verdade é que, como diz um relatório encomendado pelo Congresso norte-americano, o financiamento em áreas como a física, por exemplo, era 40% inferior em 2004 ao que se verificava em 1976 e que 93% dos alunos entre o 5º e o 8º ano aprendiam ciência de professores sem as necessárias qualificações.  
A actual liderança parece, pois, estar baseada numa estrutura montada há décadas, cujos efeitos se fazem agora sentir. Essa estrutura afigura-se não estar a ser sustentada e assim os americanos parecem começar a sentir uma mudança nos eixos do progresso científico, que agora parecem inclinar-se mais para os lados da China e da Índia. 30 a 40% dos graduados das universidades chinesas e indianas têm títulos na área das engenharias, contra os 5% dos graduados americanos. Mais: 60% dos títulos das universidades americanas são atribuídos a estudantes de outros países que não ficam na América a trabalhar, uma vez que a dinâmica económica americana não se compara com a desses países.  
"Neste momento o país parece estar num lento declínio -nas suas infraestructuras, na investigação básica, na educação- lento suficientemente para nos levar a pensar que temos todo o tempo do mundo para andar a brincar em Tbilisi, Georgia, mais do que em Atlanta, Georgia," escreve Thomas L. Friedman, também nas páginas do NYT, a propósito do investimento americano de mil milhões de dólares para reconstruir a Georgia depois do conflito com a Rússia.
A internet é um exemplo interessante e talvez paradigmático. Trata-se de uma criação americana dos anos 70. O tráfego de dados na internet passou durante estas três primeiras décadas de existência pelos E.U.. Até o tráfego nacional de dados, num qualquer país com a sua própria rede, passava pelos servidores americanos. A falta de investimento em infraestruturas modernas e problemas de segurança têm levado grandes regiões económicas como o Canadá, a Europa e o Japão a criar as suas próprias redes e a curto-circuitarem as redes americanas. Os E.U. assistem hoje a uma mudança nos fluxos do tráfego de dados, com claros efeitos na sua economia e até na sua segurança. Cito de um outro artigo do NYT de que me socorro para alinhavar estas notas, Yochai Benkler, director adjunto do Berkman Center for Internet and Society at Harvard, que diz, relativamente ao esforço que neste domínio tem sido feito por países como a China e a Índia, o seguinte: “nós, por comparação, estamos militarmente mais fracos, economicamente mais pobres e tecnologicamente menos inovadores do que éramos. Ainda somos um parceiro maior, mas já não somos nós a controlar."
Mas, será que alguma vez os E.U. estiveram, verdadeiramente, a controlar? Será que se pode falar, verdadeiramente, de inovação no caso dos Estados Unidos? Ou será que outros factores entraram em jogo para conferir a este país a sua hegemonia tecnológica? Não serão antes o bloqueio mental e o preconceito europeus os factores decisivos que contribuíram para dar aos E.U. essa sua vantagem? A inovação americana começou por assentar basicamente em conhecimentos desenvolvidos e em massa crítica existente noutras paragens. Onde estaria ela, a inovação americana, sem os Von Braun e os Von Neumman made in Europe? E teria, por seu turno, Turing tido o fim que acabou por ter se não fosse o preconceito e a estreiteza de horizontes dos ingleses?
Esgotado que está o efeito desse período inovador, não podendo continuar a atrair e a manter os actuais e futuros Von Braun e os Von Neumman, se calhar não é só o domínio do tráfego da internet que os E. U. vão perder. O que constitui uma boa nova para o mundo. 
Já agora, uma pergunta: enquanto os E.U. andam entretidos a resolver o problema das hipotecas nacionalizando o Fannie Mae e o Freddie Mac, alguém quer aproveitar esta "nova oportunidade", ou vamos já começar a prestar vassalagem ao novo líder antes de o ser?

2008/09/04

Liberdade Angolana

Nao é a recusa de "vistos" angolanos aos jornalistas portugueses que deve constituir uma surpresa. A reacção do regime cleptocrata de Eduardo Santos às críticas veículadas pela imprensa de Balsemão é em tudo coerente com a política silenciadora e repressiva de uma ditadura. O que deve constituir uma surpresa é o constante bajular dos nossos representantes políticos - do Presidente da República ao Primeiro-Ministro - que tudo fazem para não ter uma opinião sobre um dos governos mais abomináveis do continente africano.
Pior mesmo, só a opinião do jornalista angolano David Borges que, nos estúdios da SIC (impedida de entrar em Angola), conseguiu defender o regime sem ousar defender os seus colegas jornalistas. É preciso coragem!

2008/09/02

Por quem os sinos dobram

Há mais de 20 anos trabalhei no departamento de ruído da então Secretaria de Estado do Ambiente (S.E.A.). Uma das áreas que mais preocupações nos dava era a das reclamações. Não se tratava de nenhuma brincadeira: o ruído era a causa principal de reclamação dentro da S.E.A.. As consequências desta disfunção ambiental podem ser extremamente sérias. Desde problemas gravíssimos de saúde até casos de tentativa de homicídio (consumado, num caso ocorrido na Amadora na altura em que trabalhava nesta área), passando por desavenças entre vizinhos (por vezes até entre familiares!) que acabavam em tribunal, houve de tudo um pouco.
Em dado momento começámos a receber um número crescente de reclamações relativas ao que foi classificado como "sinos electrónicos". O "sino electrónico" (descobri-o no terreno...) era um vulgaríssimo relógio de pêndulo, com um pequeno badalo, daqueles que se penduram na sala ou no corredor, que uns quantos espertalhões equipavam com um microfone barato, ligado a um amplificador, por sua vez ligado a uma dessas "cornetas" acústicas de feira. As "cornetas" eram montadas nas torres sineiras tradicionais, o relógio e o restante equipamento era geralmente montados na sacristia. O preço de um sistema destes ultrapassava largamente o milhar de contos... 
R. Murray Schafer, o conhecido teórico da área da ecologia acústica e criador do conceito de "paisagem sonora", diz numa das suas obras que o espaço acústico de um sino de uma igreja tradicional definia a área da paróquia. Schafer fala também no sino como "som sagrado", um som tornado símbolo pelas suas características, mas também pela autoridade de quem tem o poder de o fazer soar. Mas, é Alain Corbin quem no livro Les Cloches de la Terre nos desvenda os complicados mecanismos que estão por detrás do campanário da igreja. Os sinos são efectivamente sinais de poder e de autoridade e elementos estruturadores do território. Foram pretexto para sérios confrontos locais entre o poder eclesiástico e o poder civil. Quem os faz soar tem o poder de silenciar os outros, sob o ponto de vista simbólico e real. O sino evoca respeito, mas pelas suas características físicas silencia efectivamente tudo à sua volta. É um factor fulcral na definição de pertença a uma determinada comunidade e, finalmente, ao marcar um território, a sua operação define as hierarquias dentro da comunidade que o habita. 
Ora, o "melhoramento" do "sino electrónico" procurava aparentemente subverter a ordem vigente ditada pelas relações de poder geradas no contexto da utilização do sino tradicional. O território alargava-se (o sino passou a ser ouvido nas paróquias vizinhas) e todos e ninguém o podiam faziam soar. No espírito de muitos, tratar-se-ia de uma conquista de Abril, portanto...
O que estes novos democratas esqueceram foi que o aumento do impacto sonoro do "sino electrónico", para chegar aos "territórios" vizinhos e assim satisfazer estes desejos "expansionistas" de subjugação dos vizinhos e de esmagamento por via "electrónica" de velhas rivalidades, iria começar por ter consequências perniciosas no seu próprio território e a suscitar desavenças dentro das suas próprias casas. Os efeitos dos sistemas pomposamente designados por "sinos electrónicos" são insuportáveis mesmo para os novos paroquianos com desejos expansionistas  e, afinal de contas, um "sino electrónico" não é, de facto, um sino. Tivemos um caso verdadeiramente caricato de um morador abastado que pagou um destes sistemas, mas acabou por levar a aldeia a tribunal porque não conseguia dormir e as tentativas para fazer desactivar o sistema, que ele próprio num primeiro impulso tinha pago e que o impediam a si e à sua família de dormir, foram totalmente infrutíferas... 
Não há, com efeito, nada de verdadeiramente único que materialize este "símbolo": o som é igual ao de todos os outros, e o "objecto" é agora um amontoado de fios e aparelhómetros de terceira categoria, guardados num armário de uma qualquer sacristia, longe de todos os olhares.
Fica apenas a capacidade (colectiva, agora expandida e não despicienda) de "democratizar" a marcação de um território e de poder silenciar os outros.
Vem isto tudo a propósito de um caso que agora anda aí nos jornais, ocorrido em Vilar de Perdizes onde foi instalado um destes sistemas. Pelo que pude constatar, trata-se de um sistema semelhante ao que descrevi acima. 
Como não podia deixar de ser, o "melhoramento" gerou uma série de reclamações --do próprio padre da paróquia, imagine-se!, o padre Fontes, promotor dos congressos de medicina popular. Mas, uma parte significativa da população opõe-se ao silenciamento do "sino" porque este mantém implicitamente a aludida capacidade de marcar território e silenciar os outros. Entre os argumentos explícitos a favor desta "guerra", uns invocam o prazer que lhes dá ouvir o toque da corneta acústica, outros saúdam o facto de, por serem analfabetos e não saberem ver as horas num relógio, poderem ouvir as horas de noite para tomar um remédio...
Esta capacidade de fazer soar estes novos "sinos" pode não ser, em si mesma, um factor negativo. Antigamente seria o pároco ou o regedor que teriam a chave do campanário e com ela a capacidade de fazer soar o sino. Agora será o povo que manda, ou tem a sensação que manda. O que me parece singular (e os sociólogos e antropólogos terão aqui uma palavra a dizer), e ilustra sem dúvida o que é este Portugal real em que vivemos, no ano de graça de 2008, é que se gere um conflito destas proporções porque há analfabetos que não sabem ver as horas num relógio e necessitam, portanto, das badaladas de um relógio público para poderem tomar um comprimido de noite, e gente sensível e de gosto educado a quem dá prazer ouvir a solenidade do toque das Avé-Marias através de uma corneta acústica manhosa, feita de lata. 
Bronze para que te quero! Glória a todos estes portugueses, que controlam agora o som sagrado, que se emocionam ao som do relógio da sala e por quem a corneta acústica dobrará a finados quando morrerem...



(a foto foi picada do blog "Ferrado de Cabrões")

2008/08/30

A Bela e o Monstro

Decididamente, os americanos não param de surpreender-nos. Depois de elegerem o primeiro candidato democrata negro (Barak Obama) é a vez da candidatura republicana mostrar o seu trunfo eleitoral feminino (Sarah Palin, ex-miss Alaska). Uma verdadeira "arma secreta"! Com esta nomeação, a todos os títulos desarmante, McCain prova que está ali para as "curvas" e, quem sabe, mudar o rumo da história nestas eleições...Seja qual for o resultado final em Novembro, uma coisa é certa: o "politicamente correcto" já ganhou e a América nunca mais será a mesma. Cocteau não podia imaginar melhor "remake" do seu já clássico filme.
(foto: NYT)

2008/08/28

Caixa roubada, caixa encastrada

Esta coisa a que agora assistimos de todos os dias ver "voar" uma caixa multibanco de um tribunal é verdadeiramente hilariante! A "moda" parece ter pegado e eu imagino os diálogos que irão por aí, por esse país fora, em certos círculos...
(O "exemplo" seguinte foi "picado" de uma "descrição" do Capuchinho Vermelho que me mandaram no outro dia... Adapta-se aqui com a devida vénia...)
- Tásse... do gueto ali! E tu... tásse?
- Yah! E atão, q se faz?
- Seca man, não há nada p'ra fazer, 'bora aí sacar uma caixa multibanco?!
- Boa, meu! 
- Epá, má onda, tázaver? A minha cota não curte dessas cenas e põe-me de pildra se me cata...
- Dasse man, a cota não tá aqui, dama! Bute ripar até ao tribunal, até te dou avanço, só naquela da curtição. Sem guita ao barulho nem nada.
- Yah prontes, na boa. Vais levar um baile katéte passas!!!
Imagino que as noites por esse Portugal fora serão uma grande seca e o pessoal tem que encontrar formas divertidas de passar o tempo...

Perante esta onda de "diversão" que assaltou o País o responsável máximo pela segurança interna diz que entrámos no "primeiro-mundo", o Governo determina o encastramento das ditas caixas nas estruturas dos edifícios e o Presidente da República franze com ar digno o sobrolho e, em tom grave, manifesta-se preocupado com o aumento da criminalidade.
Com respostas imaginativas e preocupações consequentes como estas que vamos vendo, o verão lá vai passando, plácido, com o espaço aéreo desanuviado e --teremos forçosamente de ser levados a reconhecê-lo-- com o programa Novas Oportunidades em pleno funcionamento, mesmo no Verão!!
Esperem pela rentrée...!

2008/08/27

Ainda os ecos dos Jogos Olímpicos

O mundo assistiu certamente deslumbrado a estes Jogos de Pequim. Creio que será difícil esquecer as cerimónias de abertura e de encerramento, as prestações de alguns dos atletas presentes e a espetacular superação de velhos recordes de muitos anos, que caíram, justamente, como que a coroar o espetáculo nesta edição dos JO.
Com mais ou menos publicidade, com mais ou menos interesses económicos à mistura, o que é que todos admiram nos JO, ou, na verdade, em qualquer competição desportiva? Simplesmente, o esforço para atingir e ultrapassar os aparentes limites da fisiologia humana. No fundo, com mais ou menos espetáculo, é simplesmente disto que se trata. No desempenho dos atletas vemos o que nós próprios, enquanto membros da espécie humana, somos capazes. Neste sentido, as "feiras de desporto" que são os Jogos ou os campeonatos não passam de oportunidades para os atletas demonstrarem publicamente, numa dado momento, quais são os limites físicos do que é ser humano. A competição com os outros, dentro de determinadas regras, constitui uma espécie de bitola que permite aferir ou calibrar o desempenho desportivo de modo a validar o nosso testemunho, os recordes e as classificações. 
"Dentro de determinadas regras". Ou seja, dentro de determinados limites de competição, iguais para todos, e no quadro da situação da pressão a que a exposição pública a todos sujeita. 
É deste pequeno quadro de referência, que garante a tal "verdade", que surgem então os feitos desportivos.
Mas, serão as coisas assim tão simples? Sabemos que o doping, por exemplo, é uma prática corrente e que as entidades anti-dopagem andam sempre, numa luta insana, a reboque do que fazem os laboratórios pró-dopagem (uma situação que faz lembrar o que se passa no domínio dos vírus de computador e das empresas que criam programas para os combater). Sabemos que a qualquer substância dopante proscrita, para a qual se encontraram métodos mais ou menos fiáveis de detecção, sucedem novas substâncias mais poderosas e cada vez menos facilmente detectáveis. Novas drogas como o Aicar ou o GW 1516 transformam músculos flácidos em máquinas poderosas num ápice, por exemplo, e fala-se na possibilidade dos atletas de Pequim poderem ter recorrido a elas, uma vez que os métodos de detecção destas novas substâncias não são fiáveis. Já se fala hoje de transformações genéticas, absolutamente silenciosas, para melhorar o desempenho desportivo. Ninguém sabe, ao certo, onde começa e acaba a fantasia nesta matéria. A "verdade desportiva" pode ser um mito e uma cortina para tapar outras verdades, como o foram certamente as cerimónias espetaculares destes JO. 
O ideal desportivo é hoje objecto de intenso debate e de tomadas de posição inflamadas. Há quem defenda, por exemplo, a liberalização do doping e um "desporto" sem limites. A verdade é que podemos, sem receio de estarmos a fazer batota, melhorar a vista com uma operação por laser, ou corrigir um qualquer defeito de anatomia ou uma lesão com uma cirurgia, sendo um facto que, no âmbito da competição desportiva, a linha que divide estas e as outras intervenções sobre o corpo é ténue.  
No meio de toda esta trapalhada, ainda um dia, estou certo, a ingenuidade de Marco Fortes será premiada com uma medalha de ouro...

2008/08/19

Ó Vanessa, não caias nessa!

Há um caso nesta representação olímpica portuguesa que merece um comentário especial. Trata-se da jovem Vanessa Fernandes. Cativou-nos a todos pela sua tenacidade e pelas suas qualidades desportivas. Cativou-nos a simplicidade, a humildade e até uma certa descontracção. Os peritos viram nela as "caracterísicas genéticas" para o desporto que pratica. O comum dos mortais terá visto tão somente a raça do campeão, a capacidade de concentração, o empenho e a tenacidade para se bater até ao fim, mesmo em circunstâncias totalmente adversas, qualidades que só uma escassa elite parece ser capaz juntar. É desta massa que se fazem os heróis do desporto. É desta massa que se podem extrair os exemplos motivadores e orientadores das gerações futuras.
Pensavámos nós, pensava eu.
Até a ouvir falar ontem dos seus companheiros, parceiros da delegação portuguesa olímpica, atletas como ela, e como ela membros da selecção olímpica. A raça caiu e ficou a desgraça de ter de ouvir a opinião intempestiva, oportunista, totalmente despropositada, ilegítima (a atleta não é "autoridade" olímpica e não tem que mandar palpites sobre assuntos que não são da sua competência). Permanecerá, para todos os efeitos, o eco de uma opinião --seguramente injusta por se tratar de uma generalização abusiva-- que soa a intriguisse feita com linguinha de prata...
Num breve momento o brilho da atleta empalideceu. A Vanessa perdeu uma soberana ocasião para estar calada e mostrou, quiçá, de que massa será afinal, de facto, feita.

Pequim que te quiero tanto...!

Estes Jogos Olímpicos ameaçam tornar-se nos Jogos da Discórdia para os nossos agentes desportivos e autoridades responsáveis envolvidos nesta operação. A fasquia (embora não tivéssmos saltadores em altura ou com vara...) era elevada, mas creio que já se pode dizer com segurança que a maior delegação de sempre aos JO foi protagonista do maior fiasco de sempre na história das participações portuguesas nesta prova.
Aos sorrisos postiços e às cerimónias engalanadas que precederam a partida da "delegação" ameaça agora suceder-se a fase do lavar de roupa suja.
Os atletas terão algumas (algumas!) culpas no cartório. Pela forma como alguns, em certos casos, terão aparentemente encarado esta sua participação, por algumas declarações feitas e pela sua prestação objectiva. Mas, os atletas não têm valor nesta equação e o seu verdadeiro pecado é apenas um: são ingénuos em terra de espertalhões. Quando aqui há tempos denunciaram as condições miseráveis em que trabalham foram imediatamente tratados como se estivéssemos em regime de escravatura e aceitaram. Agora não se podem queixar.
Só o fascínio de poder ir assistir aos Jogos à borlex, num país distante e "exótico", poderá explicar a docilidade de uns quantos... Mas, as reacções veementes de uns quantos não iludem a realidade.  
A verdade está noutra ponta deste novelo. Em Portugal os dirigentes desportivos portugueses são o que são, os "comités", as "ligas", as "federações", as "associações desportivas" e os "clubes" que "dirigem" são o que são e os responsáveis governamentais pela área desportiva têm tanta ideia sobre o papel que o desporto deve desempenhar na sociedade portuguesa como eu falo swahili...É pela voz dos próprios governantes, na circunstância, o inenarrável Secretário de Estado da Juventude e Desporto, que ficamos a conhecer a verdadeira natureza do poder. Ficamos a saber, pelo despropósito e profunda mesquinhez das suas declarações, em que mãos desgraçadamente nos encontramos. Este Secretário de Estado da Juventude e do Desporto provou, com estas declarações, que o seu corpo também já está há muito a pedir "caminha".
E depois há Portugal. Um país sem rumo, sem estratégia, reino do mais feroz egoísmo, dirigido por incapazes. Um país que é pasto de todos os oportunismos possíveis, que beneficiam da sacrossanta regra da vista grossa. Onde os que não sabem nos ensinam --nas escolas, nos orgãos de comunicação, etc-- e os que sabem, ou se baldam ou vão fazer a vidinha para outro lado. O país dos des-responsáveis!
O desporto não poderia pois, nestas circunstâncias, ser uma ilha. Não é um fenómeno que pudesse evoluir completamente à margem da realidade do país que somos. O que esperar então do desporto nacional quando a matriz de onde provém é esta? Recordes e medalhas? Tenham juízo...!
A "guerra" das declarações e contra-declarações que por aí vai, as ameaças, o azedume, a tristeza, as invejas, os abandonos, o mau perder e o mau ganhar que alguns revelam--de modo surpreendente e incoerente, mostram aliás, no seu conjunto, o carácter negro deste país, e vêm demonstrar as razões pelas quais não poderíamos nunca fazer melhor. Mas, este alarido, que ameaça tornar-se num fenómeno que ajudará a alimentar a "silly season" e que vai provocar certamente alguma azia, não vai, no final, servir de lição para nada, nem para ninguém.
Na primeira oportunidade lá teremos os dignitários empoleirados numa tribuna de um qualquer estádio e os atletas atentos, veneradores e obrigados a aceitarem pagar para que a gente se orgulhe muito deles... Ou nós é que pagamos para podermos zurzir neles quando não fazem aquilo para que a gente pagou, já não sei bem...
Um vaticínio final: antes da partida para Londres este filme já estará rebobinado e passará novamente, sem cortes nem alterações.

2008/08/12

A Guerra do Pipeline

Para quem anda distraído a actual guerra do Caucaso veio lembrar que, com o petróleo, não se brinca. Foi essa a causa da invasão do Kuwait, por Sadam Hussein, em 1991; voltou a ser assim, aquando da invasão do Iraque, pelos Estados Unidos, em 2003 e, agora, a invasão da Geórgia, pela Russia. Esta última, a pretexto da independência da Ossétia do Sul...
Por acaso, até lá passam os únicos "pipelines", entre o Mar Cáspio e o Mar Mediterrâneo, que não atravessam território russo. Quando a especulação sobre o preço do "crude" atinge preços inimagináveis e constituem a arma mais poderosa na luta pela hegemonia sobre as reservas energéticas existentes, alguém imaginava Putin a abdicar do seu "direito" territorial? Era o que faltava...

2008/08/09

"Não sou actriz"

Lembrei-me desta frase de Manuela Ferreira Leite (que o meu amigo Fernando Mora Ramos comentou esplendidamente no Público) quando assisti ao "filme" do sequestro no BES de Campolide. Sequestro a armar em produção "hollywoodesca" que veio a calhar que nem ginjas nesta "silly season"...
A definição hoje habitualmente aceite de música electracústica (aquela música feita de blips! e ploings! com que os vanguardistas dos anos 50-60 chocavam as audiências, feita de sons que são hoje banais em qualquer discoteca, telemóvel ou caixa registadora) é "qualquer coisa que sai de um altofalante"!
Pois, por analogia, poder-se-á dizer também que qualquer coisa que sai de um ecrã é cinema. Desde a presidente do PSD, aos sequestradores do BES. Estes quiseram tentar a produção própria, depois de terem certamente assistido a muitas produções vindas dos grandes estúdios Hollywood. Para acentuar o carácter de espetáculo, até a polícia ajudou à festa deixando cair uma grande cortina (negra!), certamente para ajudar algum espectador menos atento a sinalizar o final do espetáculo...
Saindo agora do ecrã, o que resta de tudo isto? Uma comunidade brasileira que sofreu um rombo brutal na sua luta por ganhar credibilidade junto dos indígenas, um jovem que terminou a vida antes de tempo, de forma inglória, outro que luta por uma vida que não vai nunca mais ter e um polícia-atirador que vai ficar a ter sonhos maus por muito tempo, por um acto que, ao contrário dos que se vêem nos filmes, terá certamente consequências medonhas para o seu autor. Os xenófobos exultam, aos jornais, às televisões e às rádios saiu-lhes a sorte grande e lá ganharam mais uns minutos à "seasonal sillyness".
O país terá de voltar agora ao debate sobre o Pontal. É tudo, já que a outra, se bem que diga que não é actriz, se está a guardar para a rentrée.

2008/08/07

Eva e a maçã

E "diante de Adão mas despegado dele, estava outro Ser a ele semelhante, mas mais esbelto, suavemente coberto de um pêlo mais sedoso, que o contemplava com olhos lustrosos e líquidos (...) E roçando, num roçar lento, num roçar muito doce, os joelhos pelados, todo aquele sedoso e tenro Ser se ofertava com uma submissão pasmada e lasciva. Era Eva... Eras tu, Mãe Venerável!"
Assim descrevia Eça o primeiro encontro entre os "pais veneráveis" da Humanidade. O que Eça omite neste seu texto é o facto de Eva ser na altura portadora da maçã.
A maçã, todos sabemos, é um fruto do demónio. Nós pobres pecadores (eu confesso-o!), sempre que a comemos experimentamos um leve rubor, um pequeno estremecimento. Um frémito subtil invade-nos...
Se for maçã reineta a sensação geral é de volúpia pura. Se for Golden Delicious, essa deixa-nos mais ou menos indiferentes. Mas, se for maçã Bravo de Esmolfe é o delírio absoluto! Com Bravo de Esmolfe eu, pessoalmente, não consigo mesmo ter mão em mim. Já a Macintosh faz sempre lembrar kilts. Pode, portanto, não fazer o nosso género, é uma questão de escolha.
A tradição católica fartou-se de nos excitar a mente com esta Eva que Eça depois descreveu no seu conto com soma profusa de pormenores. Creio que o livro do Catecismo (a Censura nunca se lembrou que o Catecismo poderia não passar afinal de literatura porn) contribuiu definitivamente para gerar esta ideia: maçã é tentação.
Imaginávamos nós então, jovens e fogosos catequistas, Eva de longos cabelos caídos, sem sequer uma parrazinha leve que lhe tapasse as partes pudibundas, avançando com movimentos coleantes sobre Adão, enleando-o subtilmente e oferecendo-lhe, sabemo-lo hoje de fonte histórica segura, a tal maçã!
E foi assim, neste contexto de associação de ideias, que à maçã se passou então, sem dúvida, a associar à noção de massagem.
Tratada que está então a questão das massagens, era natural que o intrépido Comando Marítimo do Sul se voltasse agora para a maçã, esse fruto do pecado. Era inevitável. Era necessário.
Pelo menos numa coisa devemos elogiar o Comando Marítimo do Sul nesta investida estival sobre os bons constumes: prosseguem uma política coerente.

2008/08/06

Débil era o melro!

Segundo reza o Público, o Secretário de Estado da Juventude e Desportos terá afirmado, a propósito da representação olímpica nacional que "Para um país como Portugal, os Jogos Olímpicos são uma tremenda aventura. Porquê? Porque nós somos o país que somos: 10 milhões de habitantes, uma economia débil, uma formação técnica débil, poucos técnicos qualificados, poucos jovens na prática desportiva e somos um país pequeno na Europa, a que pertencemos. E no mundo, então, somos um país muito pequeno." Então não?!
Somos débeis mas conseguimos ter secretários de estado que revelam não estar sequer à altura do retrato traçado... Isso é que é a tremenda aventura deste país!

2008/08/05

Elites Portuguesas

O recente discurso do presidente da república, para o qual os portugueses foram convocados em "prime-time", revelou-se uma desilusão para a maioria, mas algo de substancial para a oposição. Engraçadas mesmo, são as opiniões de algumas figuras do "establishment" político que, da esquerda à direita, foram unânimes em realçar o cunho jurídico-constitucional da intervenção de Cavaco. Enquanto para uns (Lobo-Xavier na "Quadratura do Círculo") o presidente fez bem, pois esta é uma matéria que os portugueses não entendem(?!); para outros (Mário Soares no "Diário de Notícias") o presidente fez mal, porque os portugueses não perceberam e estão mais preocupados com coisas comezinhas como o desemprego, o custo de vida e a corrupção...
Já anteriormente, o "engenheiro" Sócrates tinha faltado à sua promessa eleitoral e resolvido desistir do referendo sobre o tratado de Lisboa. O argumento, na altura usado, foi o texto ser demasiado complexo para a compreensão do português comum. Porque só os especialistas o podiam compreender, bastava o Parlamento aprová-lo.
Independentemente da importância da intervenção de Cavaco, que está no seu direito constitucional de intervir sobre matérias que considere relevantes, uma coisa parece comum a esta classe política portuguesa: um profundo desprezo pelos cidadãos portugueses, meros figurantes de um sistema que perpetua as "castas" políticas no poder. Com elites destas, será que alguém ainda acredita nos políticos que nos governam?

2008/07/29

Um diácono dos mares

Enquanto os portugueses se debatem com os problemas que todos conhecemos, ficámos a saber que o Comando Marítimo do Sul decidiu acabar com as massagens nas praias algarvias. É de facto um assunto sensível, em relação ao qual não é de todo aceitável dar sinais de tibieza...
No melhor estilo do Diácono Remédios (embora me pareça que nem o Diácono tenha conseguido ir tão longe!), o Comandante Marítimo do Sul declara, solene, para justificar a interdição, que "toda a gente sabe como é que começa uma massagem, mas ninguém sabe como é que ela acaba."
Eu que hesitava se devia ou não ir passar uns dias ao Algarve, já decidi: não vou! É que me estava a fazer a umas massagenzinhas para cuidar destes pobres ossos e músculos tão maltratados ao longo deste ano duro que passou, assim à beira mar, e, claro, desta forma já não me safo. Eu gosto de saber como acaba uma massagem, e um alerta destes, emitido com esta veemência, ainda por cima por uma autoridade que até é marítima, não pode deixar de ser tido em conta. Não vou, pronto!
Ao Comandante Marítimo do Sul os meus agradecimentos pelo verdadeiro serviço público que nos presta e um desejo: meta-se pelos mares a dentro, em força, contra os marroquinos e à reconquista de África! Para a frente, sem temores! Não nos deixemos ficar pelos preliminares...

Uma no Cravinho, outra na Ferradura

No mesmo dia em que João Cravinho dava uma entrevista onde denunciava o aumento de corrupção, o actual presidente das Estradas de Portugal mandava reabrir o processo da construção da Ponte Europa, em Coimbra, onde se verificou uma derrapagem de custos calculada em 288%.
Lembremos que, Cravinho, ministro de Obras Públicas do primeiro governo Guterres, tinha abandonado o cargo depois de denunciar a promiscuidade existente no sector da construção civil em Portugal. Posteriormente, viria a ser o autor de um projecto-lei de combate à corrupção que acabaria chumbado pelo seu próprio partido, o PS de Sócrates. No seguimento desta decisão, "et pour cause", o ex-ministro e deputado seria enviado para um "exílio dourado" em Londres, onde é actualmente funcionário no Banco de Investimento Europeu. Espera-se, destes altos representantes da nação, um silêncio à altura da função.
Acontece que Cravinho, certamente por deformação profissional, não se tem calado. Um dos seus temas favoritos é mesmo a corrupção. Ora isto é muito grave, como veio lembrar o inefável Alberto Martins de Coimbra, pois a "ética é republicana" e o João - para mais vivendo em Inglaterra - não tem moral para dar lições ao PS...Como nos veio lembrar o patulante Martins, para averiguar das pretensas ilegalidades, já existe um orgão - o Conselho de Prevenção da Corrupção - que (apesar de constituido maioritariamente por elementos dependentes da tutela) não hesitará em "prevenir" quando isso fôr preciso.... Como se nós fossemos burros. Isso não se faz, oh Cravinho!...

2008/07/28

Feios, porcos e maus

Desde que, na passada semana, o país inteiro pôde presenciar - ao vivo e em directo - um tiroteio sem precedentes entre habitantes de um bairro da periferia de Lisboa, que Portugal não fala noutra coisa.
As opiniões podem, globalmente, ser divididas em dois grandes grupos: aqueles que, como o SOS Racismo e o Bloco de Esquerda, fazem das "minorias étnicas" as suas bandeiras de estimação e procuram justificar todos os desmandos com os argumentos do racismo e da discriminação existentes; e aqueles que, como Fernando Madrinha e Mário Crespo (de quem corre um artigo na NET) parecem mais preocupados com os beneficiários do "rendimento mínimo" que - pasme-se! - até possuem plasmas e leitores de DVD em casa (!?).
Há algo de sórdido e mesquinho nesta história de criminalidade urbana que, não por acaso, teve lugar num bairro de realojamento onde, não por acaso, viviam antigos moradores do Parque Expo que, não por acaso, eram na sua maioria desempregados de origem negra e cigana. Não por acaso.
E é aqui que a "porca torce o rabo". Com raras excepções (Vasco Pulido Valente) ninguém pareceu preocupado com a política social de alojamento e o modelo urbanístico que lhe está subjacente. Desde há muito que na Europa civilizada (onde existem políticas de imigração) foram abandonados os bairros sociais para pobres, por razões que a Sociologia explica. O modelo seguido em cidades cosmopolitas como Paris, Londres, Amsterdão ou Berlim é, de há décadas a esta parte, o da integração progressiva dos estrangeiros em bairros populares onde convivem com políticos nacionais, médicos, professores universitários, estudantes, operários fabris, desempregados e prostitutas legais. E o sistema funciona.
Também na mesma Europa, já foi tentado o modelo periférico de exclusão social. Os guetos aí formados, levaram à implosão da maioria destes bairros sociais na década de oitenta. Vinte anos depois, Portugal parece não ter apreendido nada com a experiência alheia. Continuamos a deixar crescer os bairros ilegais nas periferias das cidades e, quando é necessário realojar os seus habitantes, despejamo-los em "torres" a que chamamos bairros, sem jardins, centros de dia, escolas, supermercados ou esquadras e polícia de proximidade. A polícia, de resto, tem medo de lá entrar.
O que se passou na Quinta da Fonte é, de há muito, conhecido dos responsáveis por este monstro urbanístico. Só que, deste vez, foi filmado e pudemos ver em directo o que lá se passa.
A menos de um kilómetro da minha casa, existe um dos bairros mais problemáticos da grande Lisboa, a Cova da Moura. Um aglomerado de construções clandestinas erguidas nas décadas de setenta e oitenta onde, calcula-se, vivem mais de 5000 pessoas. Quem as deixou construir estas habitações (que já foram barracas e hoje são casas de alvenaria e tijolo)? Certamente, a autarquia da Amadora, onde existem dezenas de bairros clandestinos cujos moradores são, na sua maioria, negros, ciganos e desempregados. Alguém imagina um emigrante português a construir uma casa clandestina em Berlim ou em Amsterdão? Obviamente que não. Como pode um governo exigir respeito se não cria regras de convivência socialmente aceitáveis?

2008/07/25

A Língua da Cimeira

Durante o discurso inaugural na cimeira da CPLP (com as ausências de Angola e Moçambique e a presença do ditador da Guiné Equatorial) o primeiro-ministro português enfatizou as quatro bases de cooperação futura: a língua (na Guiné Equatorial fala-se espanhol e francês!), a cidadania, a concertação política e as energias (Brasil, Angola e Guiné-Equatorial têm petróleo). Para "abrilhantar" a sessão foi ainda assinado o "Acordo Brasileiro da Língua Portuguesa". Pouco a pouco começa a perceber-se a estratégia linguística de Sócrates. Desde que haja petróleo, qualquer "língua" serve!

2008/07/23

Allculture

Não estive presente na sessão de divulgação do estudo "Desenvolvimento de um clister de Indústrias Criativas na Região Norte", mas, pelos relatos, já deu para ir percebendo o que são as novas orientações do governo, no que respeita aos caminhos da cultura portuguesa: it's Allculture!!
And the beat goes on, dada-radada-da-da... the beat goes on!!!

2008/07/22

Karadzik

A prisão de Radovan Karadzik, um dos criminosos de guerra mais procurados da actualidade, veio pôr fim a um período de onze longos anos, em que as mais inverosímeis histórias sobre a sua fuga fizeram manchete na imprensa internacional. Desde a permanência na sua casa de Pale, donde nunca teria saído, até à protecção de monges ortodoxos em mosteiros da Bósnia profunda, passando por inúmeros disfarçes, dos quais o de padre teria sido o mais usado, Karadzik soube sempre escapar a uma perseguição que muitos julgavam poder não terminar nunca. Ainda ontem, aquando do anúncio da sua detenção, corriam duas versões sobre a forma como esta teria ocorrido: enquanto a versão oficial relatava um "raid" da polícia nos subúrbios de Belgrado, onde Karadzik, supostamente, vivia; a versão do seu advogado referia a passada sexta-feira, como o verdadeiro dia da detenção, após o ex-líder sérvio ter sido reconhecido num transporte público da capital...Também de mitos é feita a vida dos criminosos.
Bem mais importante que a lenda é, no entanto, a realidade sofrida pela população muçulmana da Bósnia, sujeita a uma das maiores operações de limpeza étnica de que há memória na Europa do pós-guerra e da qual os mais dramáticos exemplos foram o cerco de Sarajevo (1992-95) e o genocídio de 8000 homens muçulmanos friamente executados em Srebrenica (1995). Por detrás destas operações esteve o demente psiquiatra e poeta nacionalista que ontem foi, finalmente, preso. Será agora, como tudo indica, entregue ao tribunal Internacional de Haia para ser julgado. Não é ainda o fim da história e muitas lágrimas terão de correr nas faces das mães e viúvas de Srebrenica, até a sentença final ser declarada. Como referia o poeta uruguayo Mario Benedetti, a propósito da prisão de Pinochet na cidade de Londres: (ainda estamos longe da justiça) "pero, algo és algo"...

2008/07/19

"Tugaland"

No seu périplo pelo continente africano, o "engenheiro" continua a apertar a mão a ditadores sem escrúpulos.
Depois da badalada visita a Angola, onde num momento de exaltado optimismo chegou a afirmar que o "trabalho do executivo angolano é a todos os títulos notável" (!?), estará hoje na Líbia de Kadhafi, para fechar mais uns negócios. Ignoramos o elogio que fará desta vez, já que a reunião terá lugar na tenda onde, por norma, não são dadas conferências de imprensa. Talvez sejam discutidas as propriedades medicinais do chá de menta, agora que o calor aperta e as miragens no deserto sejam, por vezes, fatais. Para a semana, será a vez do Chavez, mais um ditador em queda de popularidade depois do fiasco das FARC. Tudo serve a estes "socialistas" de salão, desde que a negociata possa ser efectivada. Há quem lhe chame "realpolitik". Eu prefiro chamar-lhe hipocrisia.

2008/07/13

Casamentos e Funerais

Quem, por estes dias, ligue a televisão e assista ao que se passa nos bairros sociais da Grande Lisboa, não pode deixar de traçar paralelos com um filme de Kusturica.
Na quinta-feira, teria sido a desavença de um casal de etnia cigana que provocou os primeiros tiros entre dois grupos rivais do bairro da Quinta da Fonte. No seguimento deste primeiro confronto, um segundo tiroteio teve lugar, este mais violento, entre etnias africanas e ciganas. As imagens, de um vídeo amador, não mentem: dezenas de cidadãos armados disparavam contra outros moradores do bairro, em plena luz do dia. Os confrontos prosseguiram ao longo da tarde, agora já em directo e perante a aparente passividade da polícia e do ar paternal do ministro que avisava solenemente que "não eram permitidas armas ilegais em Portugal". Posteriormente, veio a saber-se que as armas apreendidas eram caçadeiras legais e que, das dezenas de atiradores, apenas dois tinham recebido uma notificação...
No sábado, enquanto decorria um casamento cigano num dos extremos do bairro, membros do grupo rival fugiam do local e, seguidos pela polícia, arrombavam casas na Quinta das Mós, outro bairro de realojamento. Interrogado em directo, o presidente do Concelho de Loures, um verdadeiro personagem saído de "Time of the Gypsies", declarava ufano que "recebia as chaves de quem desejasse ir-se embora" (?).
Ao mesmo tempo que ocorriam estes factos, no outro lado da cidade, um morador cigano do bairro do Zambujal era interceptado pela polícia quando transportava a mulher doente ao hospital. A paragem, de quase uma hora para revistar a carrinha, provocou a morte da paciente devido a um ataque cardíaco. Perante as acusações, a polícia remeteu-se a um silêncio comprometedor.
Não fora a gravidade da situação (a que se junta a completa desorientação de que dão mostras os responsáveis da Administração Interna) e estávamos tentados a convidar o realizador sérvio para filmar em Portugal a próxima saga do povo Roma. A realidade, em Lisboa, há muito tempo que ultrapassou a ficção. Só falta escrever o guião.

2008/07/11

Vigilância electrónica

O Senado dos EUA acaba de aprovar uma nova lei de vigilância electrónica, muito controversa e restritiva, que suscitou um debate acalorado naquele país sobre as liberdades individuais. O mais interessante é que Bush consegue, finalmente depois de grandes esforços, fazer passar uma lei deste tipo, já na fase do seu perigeu político (quando terá sido o apogeu...?), e num momento em que o Senado é dominado por Democratas. Que esperar de uma presidência democrata que aí possa vir?
Os apertos e as constrições de todo o tipo parecem ser a única resposta que os políticos encontram para os problemas deste mundo, que caminha em imparável trânsito para um paradigma diferente. Já há muito tempo que não se via um ataque tão forte aos direitos civis duramente conquistados ao longo dos anos. As tentativas são várias e ocorrem em todas as latitudes. Neste aspecto, parece que voltamos, por vezes, aos tempos da barbárie. Os pregoeiros da "civilização ocidental" parecem esquecer os valores mais importantes em assentou a sua construção.
Por cá, apesar das tentativas várias em reeditar tempos de antigamente, claro que Pinto da Costa e Valentim Loureiro, esses grandes defensores das liberdades individuais, ainda podem sonhar em reclamar a ilegalidade das escutas telefónicas, com base nas quais os respectivos processos foram construídos...

2008/07/06

Percepções; sobrevivência e sonho

Anotei esta citação que acho fazer sentido partilhar agora:

«Aldous Huxley believed that our brains have been trained during the evolutionary millennia to screen out all those perceptions that do not directly aid us in our day to day struggle for existence. We have gained security and survival, but in the process have sacrified our sense of wonder.» (*)

J. G. Ballard, no Prefácio de "The Doors of Perception" (As portas da percepção) por Aldous Huxley.

(*) «Aldous Huxley acreditava que o nosso cérebro foi treinado durante a sua milenar evolução para desprezar todas as percepções que não servem para nos ajudar directamente na nossa luta do dia a dia pela existência. Ganhámos em segurança e sobrevivência, mas, nesse processo, sacrificámos o nosso sentido do sonho.»

Será isto verdade? A avaliar pela actual incapacidade (quase) generalizada de solidariedade, pelo actual desprezo pelas ideologias e pela imparável ganância que por aí grassa, é.