2009/04/01

O Dia 1 de Abril

Caro Sobrinho,

Não ligues ao que dizem. Tudo o que hoje for dito ou escrito sobre esta linda terra e o "outlet" que lhe deu nome, pode ser mentira. Ou seja, vale o que vale. E nada mais do que isso.

Teu tio de Alcochete

Porque no se callan?

O "líder histórico do PS e antigo Presidente da República" Mário Soares é uma figura que nos habituou ao melhor e ao pior. Hoje veio a terreno "lamentar" a lentidão da justiça, mostrar "descontentamento" pelas fugas de informação e acusar os "patrões" da imprensa de conduzirem uma campanha contra o primeiro ministro.
Confesso que estou a começar a ficar farto de toda esta conversa e de observar a maneira como os líderes políticos manipulam a opinião pública, neste e noutros casos, tentando fazer de nós parvos. E confesso que já me causa nojo assistir a este confronto, apolítico e amoral, entre os figurões do poder (governo, partidos, orgãos de comunicação, instâncias judiciárias), a estes argumentos e contra-argumentos, a estas acusações e contra-acusações públicas, a esta guerra de comunicados, a toda esta carapuça, enfim, que nos tentam enfiar todos os dias.
O sistema de justiça em Portugal foi criado ontem? Foi a propósito do caso Freeport que surgiu o MP, os tribunais, os juízes? Só agora, por causa deste caso preciso, é que o dr. Soares consegue descobrir que a justiça é lenta? Ou será que o sistema de justiça em Portugal só começou a funcionar lentamente no caso Freeport? E isto é um problema para resolver ou, pelo contrário, convém que não tenha remédio? E estas "fugas" de informação não têm responsáveis? O MP, os tribunais e demais instituições que fazem parte do sistema judiciário português funcionam em roda livre? Quem é que tem a responsabilidade em tudo isto? Se houver uma fuga de informação dentro de uma determinada instituição não é o representante máximo dessa instituição que é culpado? Alguém alguma vez viu o resultado de algum inquérito mandado instaurar a propósito de uma fuga de informação? Algum responsável foi alguma vez destituído porque saiu da instituição que dirige informação que não devia? Quem é que esta gente quer enganar?! E por que razão concreta aparece neste momento o dr. Mário Soares a defender o PM? Mais um a ajudar nesta farsa em que tudo isto se tornou...
Não, pode o dr. Soares estar descansado, para mim o caso Freeport é coisa a que já não ligo nenhuma. E é-me totalmente indiferente que os "patrões" da imprensa estejam a fazer a cama ao PM. Para mim --e certamente, para a grande maioria dos portugueses-- o PM não será julgado pelo que fez ou deixou de fazer no Freeport. O PM será julgado pela sua governação.
E sob esse ponto de vista não creio que subsistam grandes dúvidas ou ilusões.
Num momento em que só se fala de tempos difíceis, num momento em que esses tempos difíceis se sentem duramente na pele, em que se batem recordes de falências, encerramentos, despedimentos, quebras de receitas, endividamentos, incumprimentos, e, face à clara gravidade da situação, alguns ministros mostram já publicamente receio pela possibilidade de tudo isto poder vir a dar origem a conflitos sociais sérios, o PM... decreta uma tolerância de ponto para a tarde de quinta feira. Ora aí está um bom exemplo! Uma ponte para premiar certamente o bom desempenho do único sector de actividade deste país que nunca foi objecto de qualquer restruturação séria, cujas gorduras nunca parecem parar de crescer e onde a recessão não vai de certeza ditar medidas brutais. Um sector que não busca parceiros externos para garantir a viabilidade. Um sector a cujos membros nunca vai acontecer o que acontece aos trabalhadores dessas fábricas e empresas que todos os dias encerram por esse país fora: irem para a bicha do Fundo de Desemprego! A "tolerância de ponto" de quinta feira tem, pois, um valor simbólico. E um autor.
Três certezas eu tenho, no meio disto tudo: 1) na quinta feira vão falir mais não sei quantas empresas; 2) eu, por mim, na quinta feira, vou trabalhar, como faço todos os dias e 3) não é certamente por causa do Freeport que eu já sei há muito em quem voto nas próximas eleições...


PS- Uma adenda (09-04-02) apenas para referir mais um exemplo da "campanha negra" que os patrões da informação andam a montar contra o PM. Leia aqui...

2009/03/31

A ler

Sem grandes comentários aqui está um artigo intitulado "Propaganda.com", de EVGENY MOROZOV, do NYT de 29/3. O tema é a liberdade de expressão na internet. Um artigo certamente útil para autores, leitores e comentaristas deste universo dos blogs.

2009/03/30

O cisma da camisa de vénus

O Papa largou a bomba do preservativo em Angola e logo meio mundo lhe caiu, com toda a razão, em cima. Tratou-se da formulação infeliz de uma ideia que era fruto de algum desígnio legítimo, ou de uma ideia abjecta, formulada num tom particularmente eloquente. Ninguém sabe. Em qualquer caso, a verdade é que ainda não consegui perceber qual é o conceito de "vida" que o Papa defende.
Tivemos, aliás, nesta deslocação a Angola, um caso particularmente eloquente que contribui para aumentar esta confusão. Duas pessoas, salvo erro, morreram durante a missa em Luanda, no Estádio dos Coqueiros. Que reacções se viram, para além do lamento de circunstância? Nenhuma. O facto de duas pessoas terem perdido a vida para ver o Papa não impediu sua eminência de prosseguir com a sua acção. Duas vidas que pareceu terem pouco valor perante o peso do milhão e tal (terão sido esses os números...) que procurava entrar no estádio e dos muitos milhões que observavam de fora a operação de propaganda. Não estamos aqui a falar de vidas em abstracto. Estamos a falar de duas vidas concretas, perdidas quando iam ouvir o Papa defender os valores da vida... Sua eminência perdeu uma excelente ocasião para demonstrar, na prática, o valor que atribui à vida. Preferiu outras vias... 
O curioso é que o comentário do Papa suscitou naturais posições críticas de diversos membros do clero mais esclarecidos, atentos ou simplesmente mais inteligentes. Essas posições vão agora ser objecto de uma reacção especial do Vaticano, que não se adivinha branda. A fogueira já não será solução, mas há outros lumes, mais brandos, se bem que igualmente purificadores. 
A hierarquia católica agita-se em torno do problema da camisa. Estaremos aqui, quem sabe, perante a iminência de um novo cisma.

Maurice Jarre (1924-2009)

Uma muito singela homenagem a um compositor que admiro bastante. A fronteira entre o erudito e o popular pode, por vezes, ser bastante escorregadia. A qualidade do trabalho de Maurice Jarre em filmes como Dr. Zhivago ou Lawrence of Arabia e a sua enorme  aceitação popular ilustram bem este caso de migração de fronteiras.

2009/03/29

Cozido só com enchidos

João Palma, o novo presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, afirmou-o claramente: "as pressões sobre os magistrados estão a atingir níveis incomportáveis." Por seu turno, o presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses, juiz desembargador António Martins assegura que “há sempre uma apetência do poder político em criar tensões para uma menor independência do poder judicial."
Já não estamos no domínio do tu-sabes-que-eu-sei-que-tu-sabes-que-eu-sei. Neste momento a coisa é oficial: o poder político interfere no poder judicial e há agentes directamente envolvidos no processo dispostos a denunciá-lo.
Ficamos pois numa dolorosa expectativa. Agora que oficialmente se sabe que existe esta tentativa, frustrada ou não, de maniatar o poder judicial, o que vai ser feito pelos diversos intervenientes para subverter esta situação? Será que o denunciado vai reagir? E o denunciante vai-se ficar pela denúncia vaga? E o que podemos fazer, nós todos que assistimos, incrédulos e com um crescente sentimento de impotência e de revolta a todo este espetáculo?
Infelizmente, o problema da aplicação da justiça é apenas uma das facetas da nossa crise. O grande problema é mesmo o da injustiça que reina na sociedade portuguesa!
A justiça à portuguesa, ao contrário do cozido, não é com todos. Tem só enchidos. A ideia que se tem é a de que o Estado Português, enquanto zelador e instigador de justiça e de equilíbrio entre os interesses de todos os cidadãos tem uma prática hipócrita, e fomenta e aprofunda, ele próprio, as desiguladades.
Leis injustas e injustamente implementadas, iniquidades gritantes, o mau funcionamento, a inacção e o desleixo da trituradora máquina administrativa, a prepotência, a corrupção, restrições inaceitáveis e parcialidade no acesso aos recursos comuns, e até, sabemo-lo agora oficialmente, as tentativas de instrumentalização do poder judicial e de atropelo das suas prerrogativas, fazem da questão da justiça latu sensu a causa principal do nosso subdesenvolvimento.
O nome da crise em Portugal é este: justiça! Não é um problema ao mesmo nível de qualquer dos outros que geralmente são apontados como causadores do nosso estado de atraso crónico. É mais abrangente. É a própria matriz geradora de todas as outras crises, seja a do ensino, da segurança social ou financeira.
Alguém dizia que as religiões se baseiam sobretudo no princípio da supressão do prazer. Este Estado Português, incapaz de garantir a justiça, embora seja fundado nos princípios do laicismo, transformou-se numa religião cujos bonzos nos conseguiram conduzir a uma inexorável perda de prazer de ser português.