A notícia já tem alguns dias, mas a reflexão sobre ela permanece actual.
Os juízes desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, que obrigaram Isaltino Morais a prestar uma caução de 100 mil euros, estranham, porque as razões do facto «ultrapassam, seguramente, a capacidade de compreensão do normal mas honrado cidadão».
O que estranham eles? O facto, que consideram «inédito» e que acontece, como dizem, «por razões que nos dispensamos de comentar», de se permitir «ao arguido Isaltino, a quem são imputados vários crimes no exercício da gestão autárquica», «que continue no normal desempenho das suas funções de presidente da Câmara».
Em relação a este caso nem sequer há a possibilidade de, como é costume, atribuir as culpas aos políticos. Estes, como é sabido, têm sido os piores propagandistas da espécie, no geral mais preocupados com os seus próprios interesses, do que com a comunidade dos cidadãos que deveriam servir. Mas neste caso não foram os políticos, na pessoa do presidente do PSD, quem deu aval à candidatura de Isaltino a presidente da Câmara. Foi como independente que ele se apresentou ao eleitorado e enfrentou os outros candidatos, esses sim apoiados pelos diversos partidos.
Foram, pois, os próprios cidadãos quem caucionou esta realidade escandalosa de colocar um presumível criminoso (é assim que lhe chamam os juízes) à frente da Câmara de Oeiras, a lidar com muitos milhões de euros provindos dos bolsos dos contribuintes; os mesmos cuja maioria lhe garantiram a eleição.
Instalou-se entre os portugueses o tipo de moral que é bem traduzida pela célebre máxima de um político brasileiro: «eu roubo mas eu faço!». Tudo parece normal ao comum das pessoas.
Passou recentemente na rádio a propaganda de um telemóvel que rezava mais ou menos assim: «António; sou eu, o Carlos, o teu melhor amigo. Eh, pá, estou a deixar-te esta mensagem para te dizer que o telemóvel XPTO que te desapareceu, não o perdeste. Fui eu que fiquei com ele! Vi-o ali como quem olha para mim... (segue-se uma litania de características apetecíveis do objecto)... e, sabes como é: tentei-me e fiquei com ele. Falo-te agora para te dizer isto e para te perguntar: tens o carregador?».
Quer dizer, um roubo, uma traição entre amigos é encarada de uma forma leviana, como se fosse normal. E se isto passa como anúncio, não é só porque os publicitários não têm já nada que possam apresentar como diferente e procuram coisas arrojadas e fora do comum. Porque serão fora do comum, mas têm de cair em terreno fértil, para que o produto publicitado venda. Esse terreno fértil («público-alvo») é o das camadas jovens que, com o seu dinheiro ou com os dos pais, são quem compra.
Isto diz bem dos valores em que assentam muitas das relações que se estabelecem e da matéria pulverulenta que lhes dá (?) substância.
Que bem fazia ao «António» e ao «Carlos» do anúncio lerem «O sonho dos heróis» de Adolfo Bioy Casares.
I’ll be back; ou, em português, voltarei a este tema.
1 comentário:
Boa malha, Raul!
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