2006/08/26

OS FOGOS E A NÃO INSCRIÇÃO

Em tempos pensei que gostaria de me candidatar à presidência de uma Câmara Municipal. Uma Câmara pequena, que não fosse rica, mas em que houvesse proximidade com as pessoas a viver no seu território. E em que fosse, portanto, possível "fazer coisas". Depois, começando a pensar que o financiamento depende da construção civil e que quase se é obrigado a permitir (ou mesmo a estimular) a construção para que haja dinheiro, depressa me passou esse desejo.
A coisa teria sentido se fosse possível mobilizar as populações para participarem na resolução de alguns dos seus problemas comuns. Então a minha ambição moderou-se e pensei que talvez fosse interessante presidir a uma Junta de Freguesia. Não existe autarquia que seja mais próxima das populações e talvez aí fosse possível dinamizar as vontades das pessoas no sentido de tomarem em mãos tarefas necessárias à execução de algumas das suas necessidades. Lembro-me sempre da população de uma aldeia que, isolada, precisava de uma estrada e de uma ponte; cada um contribuiu com dinheiro -- a quantia de que pôde dispor -- e, sobretudo, com trabalho -- cada um apresentava-se umas horas por dia para colaborar -- e a obra foi feita. Isto passou-se para aí nos anos 80. Duvido muito que hoje em dia tal fosse possível em Portugal. O sentido colectivo está de rastos e ninguém está disponível para colaborar em obras que interessem a todos.
Vem isto a propósito dos fogos florestais, facilitados que são pela incúria quanto à limpeza das matas.
Excluirei do arrazoado a floresta que é pertença de proprietários que podem pagar a respectiva limpeza; o incumprimento neste caso deverá ser rigorosa e rapidamente punido. Segundo leio no Público de 22/8 a PSP de Aveiro levantou 21 autos de infracção às regras de segurança em S. João da Madeira. O que é de aplaudir, desejando que se chegue em breve à punição dos responsáveis (desejo que, conhecida a "eficácia" a que nos habituou o nosso sistema de justiça, é legítimo duvidar que venha a ser cumprido; é mais provável que venha a ser comprido e que, na maioria dos casos, acabe em águas de bacalhau). E esperando que este tipo de acção não se limite a S. João da Madeira e se propague, como de resto os fogos, ao resto do país.
A questão que pretendo levantar respeita às matas de posse de privados que não têm capacidade financeira para a sua limpeza (que, ao que se diz, conformam a área de floresta maioritária); mas também às matas públicas.
Nem os representantes dos poderes locais estimulam, nem os habitantes se sentem motivados para dar colaboração individual na limpeza destas matas. Todos sabendo que, chegado o Verão, haverá grandes possibilidades de tudo se transformar num braseiro e de o colectivo dos cidadãos ficar mais pobre, não arranjam maneira de se mobilizar e, cada um dando uma quota parte de esforço, deitarem mãos à obra e limparem aquelas matas. Também quanto às matas públicas se deveriam organizar equipas de voluntários (locais, mas não só, que isto é um problema nacional e todos ficamos mais pobres com os incêndios de Verão), embora aqui a responsabilidade de mobilização e organização caiba inequivocamente ao Estado e/ou aos poderes locais. Chegado o tempo da catástrofe, que se adivinha em todos os verões, no discurso de cada um aparecerá o pronome "eles" ou a expressão "os gajos". Os portugueses são peritos em alijar as culpas individuais; quer dizer, a culpa nunca é do António ou da Maria. A culpa é dos poderes públicos (Governo, Câmara, seja quem for), ou porque não limparam, ou porque não proporcionaram meios (leia-se subsídios) para a limpeza. A culpa é sempre "deles", "dos gajos". É a "não inscrição", de que fala o filósofo José Gil, numa das suas mais incisivas e deletérias manifestações.
No estado a que isto chegou, que presidente de Junta, por mais qualificado, empenhado e capaz de trabalhar para o bem colectivo sem se ater ao seu interesse pessoal, será capaz de juntar os seus concidadãos para este tipo de tarefas colectivas? Quem se quererá "inscrever"?
Concordo que os indivíduos que detêm os diversos poderes -- executivos ou legislativos, locais ou nacionais -- também eles (falo no geral, o que é sempre redutor), o que perseguem é, primeiro que tudo, o benefício pessoal. Mas isso não espanta nada, dado que o "caldo de cultura" em que nasceram e se desenvolveram é o mesmo do resto do povo. E o "povo", o geral das pessoas, seja por razões históricas, por desmotivação conjuntural, por ignorância, ou por todas estas razões, é muito mesquinho.
Tem os dirigentes que merece.

1 comentário:

CLeone disse...

Ainda não seis e concordo, mas acho graça á coincidência de vir aqui logo a seguir a psotr no esplanar um coisa em que discuto o José Gil...
Cá voltarei.
Carlos Leone