2008/03/21

Metade do problema

O impacto destas imagens que agora foram divulgadas pelos orgãos de informação e através do Youtube da aluna que tenta arrancar o telemóvel das mãos da professora é fortíssimo. Pessoalmente, o que observo ali é um "deseducador" despique, o total descontrolo de quem devia estar a dominar os acontecimentos, mas está a ser por eles dominado, uma total e absoluta ausência de autoridade, uma sala de aula transformada em "estúdio" de tv e uma notória e inexplicável falta de "técnica" para lidar com estes acontecimentos.
A cena do "clip" não é produto do momento. Levou certamente muito tempo até ter chegado àquele estado de coisas. Houve muito ensaio, muita direcção de actores. E não creio tão pouco que se trate de um acto imputável a este ou àquele professor, a este ou àquele aluno. Podemos imaginar muitos outros actores responsáveis até termos chegado àquela cena em concreto.
Neste momento particular, porém, não é isso que é valorizado e quer-me parecer que o burburinho à volta das imagens pretende passar uma outra mensagem, muito particular.
Estivéssemos nós numa altura diferente e, se calhar, teríamos visto um outro tipo de imagens. Talvez captadas por um aluno que se tivesse lembrado de filmar um momento de prepotência de algum professor, por exemplo...
Tivesse eu telemóvel com câmara quando andava na escola primária e nos primeiros anos do liceu, tivesse eu internet, e teria com toda a certeza colocado no Youtube várias imagens interesssantes de cenas que fui presenciando. Imagens de "castigos" aplicados, de forma mais ou menos fria, pelos professoress sob a forma de palmatoadas, reguadas e outro tipo de agressões ainda mais violentas. Não eram, direi, o pão nosso de cada dia, mas eram, certamente, bastante frequentes. Recordo-me de várias cenas lamentáveis, e de numa ocasião em particular --teria eu uns 11 anos-- um professor de português ter agredido de forma absolutamente selvática, ao pontapé, um colega por causa de um erro numa redacção.
Hoje, estou absolutamente convicto, já não seria possível presenciar cenas deste tipo. A gente, pelo menos, nunca as viu no Youtube...
Neste caso concreto, longe de servir para tirarmos daqui, todos, um qualquer ensinamento, estas imagens parecem-me estar a servir outros propósitos. O que é pena.
E para que o espetáculo continue, para que as responsabilidades se diluam, para ficarmos com uma visão completa sobre metade do problema e para ficarmos com aquela sensação de termos a "liberdade" de tudo poder discutir, para que tudo fique na mesma, talvez aquela senhora da RTP1 se lembre de fazer mais um debate encarniçado sobre este assunto, daqueles em que estão uns de uma lado e outros do outro...

9 comentários:

Rui Mota disse...

Não sei se há uma "agenda escondida" na divulgação deste vídeo. Penso que não. Há anos que professoras amigas me contam histórias passadas nas suas escolas, bem piores do que estas. Portanto, algo está podre há muito tempo.
O que é novo aqui é o meio usado para divulgar a notícia. Como dizia Mcluhan, "o meio é a mensagem". Por isso passou no "U-Tube". Ainda bem. Desta forma, as pessoas estão a falar do assunto e serão obrigadas a reflectir sobre o hooliganismo grassante no meio escolar. Pode ser que, assim, o pessoal da 5 de Outubro desperte da sua letargia burocrata e perceba melhor o que deve ser avaliado.

Carlos A. Augusto disse...

Já não acredito há muito no pai natal... Não acredito que este súbito interesse pela cena do telemóvel da menina não tenha água no bico. Sao as proprias notícias que apontam inúmeros casos destes que nunca foram falados antes. Porquê este, agora?
Três coisas, como disse no post são ainda de sublinhar:
1- O assunto vai ser transformado em mero combustivel de telejornal, e...
2- A perspectiva usada na divulgação destes casos leva-me a pensar que há mesmo agenda(s) escondida(s).
3- Ninguém ainda falou na óbvia falta de competência da professora para lidar com este caso. Esta cena poderia ter-se passado entre alunos que ninguém notaria a diferença. A "birra" parece igual. Porque não se discute o documento em si e se analisam todas as leituras possíveis?! Isso sim, seria um bom serviço.
Assim cheira a manipulação.
É pena...

Rui Mota disse...

Não estou de acordo. O VPV, na sua crónica de hoje (A lei da Rua) escreve exactamente o que eu penso. Trata-se de uma agressão da aluna a uma professora bastante mais frágil que ela (fisicamente falando) e que, por acaso, até era (é) uma excelente professora.
Cito: "perante isto os nossos comentadores descobriram um culpado: os pais. Toda a gente imagina a cantilena: pais que não se interessam pelos filhos (...). Muito bem. Mas, não me cheira que a aluna do telemóvel bata habitualmente nos pais como bateu na professora. Porquê?
Porque na escola não lhe podem responder bofetada a bofetada. Não a podem, em definitivo, por fora do sistema (excepto com a aprovação superior do ministro). Não a podem, sequer, fazer perder o ano por faltas. Não há melhor ambiente para um tiranete. Em última análise, é a lei da violência."
Ora é isto que se passa todos os dias nas escolas. A diferença é que, desta vez, foi filmado e passou no "U-Tube". Ainda bem, para ver o que são estes hooligans. Eu, se estivesse no lugar da professora, tinha pregado duas bofetadas à aluna...

Carlos A. Augusto disse...

A crónica que citas é baseada numa conjectura: "não me cheira que a aluna do telemóvel bata habitualmente nos pais como bateu na professora."
Sabe lá ele...!! Isto é uma questão de "cheiro"??!!
Tudo isto são faits divers. Falta ir à chicha da questão!
Talvez eu não me tenha explicado bem, mas volto a repetir: parece-me que ninguém está interessado em aprender com este caso.
Aliás eu acho que nunca ninguém está interessado em aprender o que quer que seja e resolver as questões. Nesta como noutras matérias... Parece estar tudo interessado em tirar o "seu" partido do que se vai passando, em explorar a sua partezinha da questão, mas soluções e compromissos... tá quieto!!!
Pelos vistos, neste caso até há (e há muito tempo!) matéria para tirar daqui conclusões importantes e actuar. Mas, nunca ninguém actuou. Porquê?
Os professores que demonstraram tanta solidariedade de classe recentemente não encontram, em conjunto, forma de acabar com um problema desta natureza? Acho estranho... O que fizeram eles e os sindicatos para resolver este problema?! Ou isto não é matéria de interesse para a classe? Isto é algum problema daqueles medonhos que não se resolva em três penadas??! Porquê todo este alarido?
Gostava de ouvir menos queixas, menos lamentação e menos brandura e ver mais acção por parte de todos os intervenientes neste processo. Mas, não, infelizmente só vejo coitadinhos onde devia haver gente corajosa.
Mas, toda a gente parece mais apostada em puxar a braza à sua pequena sardinha do momento do que em resolver isto.
Até o Pulido Valente que conclui a sua crónica chamando ministros da educação de há mais de 10 anos.
Um dia destes faço também uma crónica aqui no Face, evocando o tempo em que ele foi Sec. de Estado da Cultura...

Rui Mota disse...

O VPV foi apenas um, entre centenas, de comentários publicados esta semana em dezenas de "blogs" e jornais de todo o país, com esta opinião.
De facto, a questão não é nova. E os professores, podem e devem tomar uma posição conjunta sobre esta situação. De acordo.
Mas, temos de ir mais atrás: enquanto no "antigo regime" os professores tinham toda a autoridade e permitiam-se torturar alunos (assisti a vários espancamentos nas escolas por onde passei) tendo eu próprio sido alvo de várias "carícias" que me deixaram marcas nas orelhas e nas costas (cheguei a ser atirado das escadas abaixo por um professor de Educação Física só por eu lhe ter virado as costas!); agora, assiste-se ao fenómeno inverso: os alunos fazem o que querem nas aulas (do ensino público) e tratam os professores abaixo de cão. Tenho dezenas de exemplos. Um deles vem, precisamente, do Porto onde os carros dos professores que ousaram classificar mal os alunos, apareceram todos vandalizados no dia seguinte!
A "mãezinha", daquela histérica que se virou contra a professora, já tinha ido a uma escola bater num professor e veio, outra vez, defender a filha! A professora de francês que vimos no vídeo é um conceituado quadro do ensino e diplomada, com experiência profissional junto da escola europeia. Escola Europeia. Em França.
Andamos a brincar, ou quê?
Essa coisa de "todos sermos culpados" é muito bom (p'ra mais na Páscoa), mas não "cola". Quando todos somos culpados, ninguém é culpado. Errado.
O ME é o principal culpado, pelas leis (pseudo) progressistas que tem vindo a aplicar durante estes anos/ministros todos. O facilitismo grassante das escolas públicas em que os meninos e as meninas só tèm de lá estar e não são obrigados a fazer nada, podendo questionar tudo e todos (sem avaliação!) e levar os telemóveis para as aulas e trocar mensagens quando querem e lhes apetece, é uma consequência do clima actual nas escolas. Aqui, onde vivo, há alunos que levam dezenas de telemóveis (roubados a outros alunos) para a escola e vendem-nos nos intervalos das aulas. Já não falo das facas e das pistolas. Mas, as pessoas vivem na Lua, ou quê?
Quando um govêrno, faz de determinadas classes profissionais - professores, juízes, médicos, enfermeiros, funcionários públicos - os inimigos do "povo" por serem privilegiados (deixem-me rir!) o que é que está à espera? Que as pessoas (as famílias) respeitem os professores? Não. Quem tem dinheiro, põe os filhos na escola privada, quem não tem pôe-nos na escola pública, com os resultados que se conhecem.
Pior: estas medidas demagógicas vêm de um governo cujo primeiro-ministro tem um diploma que não é reconhecido pela Ordem dos Engenheiros e que é responsável por aqueles abortos que autorizou construir na Beira. Alguém acredita nestes gajos?
Só espero que este triste exemplo possa contribuir para a modificação radical da situação. Por isso, reafirmo: ainda bem que há vídeo!

Carlos A. Augusto disse...

Ó Rui, estamos inteiramente de acordo e o que eu escrevi não contradiz em nada o que tu escreveste.
Eu só teria cautela no que diz respeito a uma questão.
Se admitimos que há graus diferentes de responsabilidade e que não é possível invocar o argumento de "todos sermos culpados" então teremos de perguntar o que andam os que lidam directamente com esta matéria a fazer... É que os profs SÃO do ME!
Quem pode intervir num caso como este numa primeira instância são os professores. São eles que estão na primeira linha de tudo isto e lidam com estas situações de forma continuada. São eles que são os profissionais.
Têm responsabilidade de, por um lado, saber lidar tecnicamente com isto (todos nós nas nossas profissões usamos "técnicas" e conhecimentos para as desempenhar e neste caso não houve manifestamente jeitinho nenhum para lidar com o problema) e, por outro lado, se as condições existentes não permitem o seu desempenho de forma satisfatória, são eles que têm de denunciar a falta de condições e sugerir alternativas.
Os professores não são socialmente diferentes só para os benefícios. São-no também para os deveres.
Também nõ o podem fazer "contra" a sociedade que lhes paga. Isto é: o que temos são estes pais e estes alunos, com estes comportamentos, estes defeitos e estas qualidades. Se o professor não pode desempenhar o seu papel porque o aluno recebe chamadas durante a aula, ou se comporta de modo violento e se esse professor está convicto do papel que está a exercer e da necessidade de o exercer, terá que procurar alterar esse estado de coisas. Se o professor tem dúvidas quanto à utilidade do papel que está cumprir ou se se está marimbando para esse papel será natural que se esteja também marimbando para o facto de poder ou não exercer esse papel até ao fim, até às últimas consequências...
Isto de resto é válido para qualquer das "classes profissionais - professores, juízes, médicos, enfermeiros, funcionários públicos" que referes.
Neste momento há um clima que visa "desculpabilizar" os professores de tudo porque a ministra é má (também acho que tecnicamente --na medida exacta da sua função-- ela é má...), porque as avaliações são injustas, porque os pais são uns selvagens e os meninos são hooligans.
Eu é que por mim não aceito isso!
E volto a dizer: se os professores se unem de forma tão estreita para defender os seus pontos de vista quanto às matérias de todos conhecidas, também se deviam já há muito ter unido para resolver estes problemas. Compreende-los-ia mais rapidamente se fizessem uma manif por estes motivos do que pelos motivos que os levaram a fazer a manif de há uns dias...
Acho estranhíssimo que os sindicatos nunca tenham tomado uma posição forte relativamente a esta matéria. Mesmo muito estranho...

Carlos A. Augusto disse...

Já há quem comece a ver o subtexto...
Ler aqui

Rui Mota disse...

A Federação de Pais, não é aquela organização que recebe subsídios do govêrno para dizer bem das reformas do ME? Eu ainda não ouvi a FENPROF ou a FNP a "aproveitar" a cena do vídeo.
Mas, há anos que oiço queixas dos professores. Os professores queixam-se e não é pouco. No entanto, eles é que vão ser (e bem!) avaliados, enquanto os meninos ficam dispensados de fazer exames, de prestar provas, podem passar administrativamente e, durante os ATL, ficam a jogar no computador...Bom, há aqui uma inversão completa de papéis.
Claro que no ME também há "professores". A maior parte deles nunca ensinaram, ou já há muito tempo que deixaram a escola. A maior parte deles é nomeada pelos partidos do poder. Queres que eu te dê nomes? Eu conheço alguns...
A própria ministra (ex-MES) saída do ISCTE, a "madrassa" do PS, pode ser muito boa técnica, mas é uma completa incompetente para o lugar. Como tinha sido a Benavente e todos aqueles experimentalistas que puseram a "criancinha"
no centro do Mundo ao darem~lhes "competências adquiridas" através da passagem pela escola, sem as obrigar a trabalhar. A escola exige disciplina e trabalho, o resto é conversa. Leia-se a Filomena Mónica (Os filhos de Rousseau) ou o Nuno Crato (O Eduquês) e percebe-se a questão. Por isso, as escolas onde se paga bem, apresentam melhores resultados. O mesmo com os hospitais e por aí fora. Porque é que o governo está a destruir o SNS? Para obrigar os utentes a fazerem seguros de saúde e irem tratar-se aos privados, muitas das vezes pelos seus próprios médicos!
Não se trata de defender ou atacar os professores. Trata-se de denunciar as políticas de um governo que põe uns grupos profissionais contra outros (dividir para reinar) com a culpabilização do (mito do) privilégio.
Eu conheço várias professoras que, quando dão muitas notas más, são chamadas à atenção do Conselho Director da Escola, para passarem os alunos, senão têm o ME e os "paizinhos" à perna, por pensarem sempre que os seus filhos são uns cérebros! Isto no público, porque no privado e questão é de dinheiro: escola com muitos "chumbos" não recebe inscripções suficientes para pagar os ordenados dos professores. Logo, estes têm de passar uma quota máxima todos os anos. Queres nomes? Também tos posso dar...
Portanto, entrámos aqui num círculo vicioso. Mas, em última instância, são as políticas emanadas do ME que provocaram esta "balda" toda. E não é só de agora. Já vem de longe, como a fama do Brandy Constantino...

Carlos A. Augusto disse...

Mas então volto a dizer (isto é que vai um "namoro" aqui hoje :-)!!! ...): ninguém quer resolver estes problemas!! É essa a questão central! Agarram-se todos a todos, qualquer coisa serve de pretexto a qualquer coisa para não resolver nada! É esse nó que é necessário desfazer.
É um problema de atitude, de profissionalismo e de cidadania.
Não é um problema de retórica.
Já agora permite-me citar o artigo do J. V. Malheiros (já que falámos no Público) que me parece de facto ser a visão mais equilibrada e contemporânea que li sobre o assunto. Tudo o resto é mais do mesmo...